Trópico de Capricórnio

É a linha geográfica imaginária situada abaixo do Equador. Fica localizada a 23º 26' 27'' de Latitude Sul. Atravessa três continentes, onze países e três grandes oceanos.


sábado, 31 de março de 2012

"Elogio ao Amor", por Miguel Esteves Cardoso


“Há coisas que não são para se perceberem. Esta é uma delas. Tenho uma coisa para dizer e não sei como hei-de dizê-la. Muito do que se segue pode ser, por isso, incompreensível. A culpa é minha. O que for incompreensível não é mesmo para se perceber. Não é por falta de clareza. Serei muito claro. Eu próprio percebo pouco do que tenho para dizer. Mas tenho de dizê-lo.

O que quero é fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria.

Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em “diálogo”. O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios. Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem. A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam “praticamente” apaixonadas.

Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há, estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço. Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do “tá bem, tudo bem”, tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas. Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo?

O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida,o nosso “dá lá um jeitinho sentimental”. Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade. Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar.

O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto. O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A “vidinha” é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não é para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende.

O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha – é o nosso amor, o amor que se lhe tem. Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder. Não se pode resistir. A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a Vida inteira, o amor não. Só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também."


Miguel Esteves Cardoso


quinta-feira, 29 de março de 2012

The shooting of Trayvon Martin




A morte de um adolescente afro-americano na Florida está a gerar um debate sobre o estado das relações raciais na América na era Obama.
A morte do adolescente Trayvon Martin continua a agitar a sociedade norte-americana. O jovem afro-americano, de 17 anos, foi morto na noite de 26 de Fevereiro com uma bala no peito disparada por George Zimmerman, um voluntário que fazia a vigilância nocturna num condomínio privado em Sanford, nos subúrbios de Orlando.
Trayvon acabara de sair de uma loja de conveniência, não estava armado e vestia uma camisola com capuz.
Ontem, o congressista do Partido Democrata Bobby Rush, eleito pelo estado do Illionois desde 1993 e antigo membro do grupo Panteras Negras na década de 1960, encenou um protesto em pleno Congresso, ao discursar vestido com um capuz e óculos escuros. "A discriminação racial por parte das autoridades tem de acabar, sr. presidente", declarou o congressista, afirmando depois que "o facto de alguém usar um capuz não faz dele um vadio".


Trayvon Martin, de 17 anos, foi morto numa noite chuvosa quando saiu de casa para ir a uma loja de conveniência. George Zimmerman, o voluntário encarregado da vigilância nocturna de um condomínio privado em Sanford (um subúrbio de Orlando), suspeitou de Trayvon e alertou a polícia. A polícia disse-lhe que ia enviar um agente e pediu-lhe para não fazer nada. Mas Zimmerman seguiu Trayvon. Zimmerman diz que Trayvon tentou atacá-lo. Zimmerman estava armado, Trayvon não. As únicas coisas que tinha consigo eram o pacote de rebuçados e a lata de chá gelado que comprara na loja de conveniência. Trayvon morreu com uma bala no peito.

Zimmerman, de 28 anos, alegou ter atirado em legítima defesa. A polícia disse não ter encontrado nenhum indício que demonstrasse o contrário e deixou Zimmerman partir sem sequer incriminá-lo. Caso encerrado.

Isto aconteceu há quase um mês, a 26 de Fevereiro. Mas o que começou por ser uma história de crime local adquiriu proporções nacionais na última semana. Trayvon Martin era negro, George Zimmerman é branco. A sensibilidade racial do caso trouxe ao de cima memórias da era dos direitos civis na América. Na quarta-feira, os pais de Trayvon, Tracy Martin e Sybrina Fulton, participaram numa marcha com cerca de mil pessoas em Nova Iorque, muitas delas encapuzadas, numa homenagem a Trayvon, que usava uma camisola com capuz na noite em que foi morto. Objectivo: exigir a investigação do caso. Na quinta-feira à noite, umas 30 mil pessoas concentraram-se em Sanford. Há várias concentrações do género noutras cidades americanas anunciadas no Facebook para os próximos dias. Uma petição lançada pelos pais de Trayvon no siteChange.org tinha até ontem quase um milhão e meio de assinaturas e o número estava a crescer rapidamente.

Anteontem, na sua primeira página, o Washington Post referia-se ao início de um movimento.

O Departamento de Justiça, chefiado pelo afro-americano Eric Holder, decidiu investigar os acontecimentos, incluindo a forma como as autoridades locais actuaram. E ontem o Presidente garantiu que o caso será investigado até às últimas consequências. "Se eu tivesse um filho, ele seria parecido com o Trayvon", disse Obama.

A raça importa
"Isto é mais um exemplo de como a América não vive numa era pós-racial", diz ao PÚBLICO Andra Gillespie, professora de Ciência Política na Emory University, na Georgia (Atlanta), especializada em questões raciais. "Toda a gente pensava que quando o Presidente Obama fosse eleito ia ser o fim do racismo e a questão da raça deixaria de ter importância. Mas a raça importa e custou a vida a este jovem."

Não existem muitos detalhes sobre o que aconteceu na noite de 26 de Fevereiro. George Zimmerman, o homem que disparou sobre Trayvon Martin, nunca falou publicamente sobre o caso. Sabe-se que mudou de casa depois de, alegadamente, ter recebido ameaças de morte. O seu pai, Robert Zimmerman, enviou uma carta ao jornal Orlando Sentinel negando acusações de que George é racista. Ele nota que George é um hispânico "com muitos familiares e amigos negros" e que "seria a última pessoa a discriminar alguém por qualquer razão".


A polícia de Sanford divulgou publicamente a gravação do telefonema que George Zimmerman fez para o 911 nessa noite - e que tem alimentado o debate sobre se a sua actuação foi ou não motivada por questões raciais. No telefonema, Zimmerman descreve "um tipo muito suspeito", que "parece estar a preparar alguma ou estar sob o efeito de drogas". Mas o comportamento de Trayvon não parece  particularmente suspeito ou ameaçador. Zimmerman diz que "está a chover e ele está a andar e a olhar em volta". A certa altura, Zimmerman nota que Trayvon começou a correr. "Você está a segui-lo?", perguntam-lhe do outro lado da linha. Zimmerman responde afirmativamente. "OK, não precisamos que faça isso." Essa é a mesma gravação que a CNN tem dissecado nos últimos dois dias, para tentar determinar se Zimmerman murmurou ou não um particular epíteto racista durante o telefonema. Apesar dos esforços, o resultado não é conclusivo. Mas, para muitos comentadores afro-americanos, o caso tem um ar de familiaridade. "Para qualquer homem negro na América, do milionário ao mecânico, a tragédia de Trayvon Martin é pessoal. Podia ter sido eu ou um dos meus filhos. Podia ter sido qualquer um de nós", escreveu Eugene Robinson, colunista do Washington Post. Touré, um escritor e jornalista que publicou recentemente um livro sobre a América pós-racial, comentou na revista Time: "A masculinidade negra é uma condição potencialmente fatal."

Numa altura em que o racismo é socialmente condenado, o caso Trayvon Martin parece reflectir um factor mais enraizado na cultura popular americana: a percepção de um negro como uma figura ameaçadora. "Os Estados Unidos têm uma história infeliz de discriminação racial, em que os negros são vistos como sendo mais propensos à criminalidade. Por isso, mesmo que tenham um comportamento normal e rotineiro, têm de lidar com o estereótipo de que estão prestes a cometer um crime", diz Andra Gillespie. Charles Blow, um colunista do New York Times, chamou-lhe "o fardo dos rapazes negros". É por isso que alguns pais afro-americanos ensinam os seus filhos adolescentes a não correr em público com algo nas mãos - para que ninguém pense que cometeram um roubo.

O Departamento de Justiça decidiu abrir o seu próprio inquérito em conjunção com o FBI, depois de as críticas dirigidas ao Departamento de Polícia de Sanford terem subido de tom nas últimas semanas. Mas especialistas notam que muito dificilmente o caso poderá ser julgado como um crime federal. A lei federal de 1964 penaliza crimes de ódio motivados por questões raciais, mas o homicídio de Trayvon Martin não parece aplicar-se a nenhum dos cenários previstos, nota ao PÚBLICO Stephen A. Saltzburg, professor na Faculdade de Direito da Universidade de George Washington.

Um tribunal local da Florida também está a analisar o caso - um grand jury deve pronunciar-se a 10 de Abril sobre a eventual abertura de um processo judicial. Saltzburg acredita que a intenção do Departamento de Justiça é, sobretudo, pressionar o estado da Florida. "O Governo federal está a tentar que a Florida faça o que deve fazer. É verdade que o chefe da polícia de Sanford resolveu tirar uma licença sem vencimento hoje? Quer dizer que está a resultar."

O chefe da polícia Bill Lee anunciou quinta-feira que se ia afastar temporariamente das suas funções. Horas depois, o governador da Florida, Rick Scott, anunciou que o procurador estadual encarregado do caso também se tinha retirado e indicou o nome da nova procuradora.
A morte de um adolescente afro-americano na Florida está a gerar um debate sobre o estado das relações raciais na América na era Obama.

In "Publico" 29.03.2012

Morreu Millôr Fernandes, aos 87 anos, no Rio de Janeiro


Millôr Fernandes

Biografia
Millôr Fernandes nasceu no Rio de Janeiro, no dia 16 de agosto de 1923, contudo foi registrado em 27 de maio de 1924. Por isso, em diversos lugares, o ano de nascimento aparece como 1924. Perdeu o pai dois anos após seu nascimento e a mãe cerca de seis anos depois. "Tive a sensação da injustiça da vida e concluí que Deus em absoluto não existia", escreveu sobre a infância na capital carioca.

Em 1938, deu início a sua carreira de jornalista, como repaginador da revista O Cruzeiro. No mesmo ano, escreveu o conto A Cigarra, ganhou um concurso da revista e foi promovido para o arquivo. Mais tarde, assinava a coluna Poste Escrito, sob o pseudônimo de Vão Gogo. Dirigiu também a revista em quadrinhos O Guri e Detetive, de contos policiais.

Em 1940, começou a colaborar com com seção As garotas do Alceu, como colorista. Em 1942, fez sua primeira tradução literária, do romance A estirpe do dragão, da americana Pearl S.Buck. Em 1946, lançou Eva sem costela - Um livro em defesa do homem, sob o pseudônimo de Adão Júnior. No nao seguinte, sua participação na revista O Cruzeiro já atingia a marca de dez seções por semana. Em alta, encontrou-se com Walt Disney, Vinicius de Moraes, César Lates e Carmen Miranda nos Estados Unidos, em 1948.

No ano seguinte, assinou seu primeiro roteiro para o cinema, com Modelo 19, filme que ganhou cinco prêmios Governador do Estado de São Paulo, entre eles Melhores diálogos para Millôr. Em 1951, lançou a revista Voga, que não fez sucesso. Em 1955, dividiu com o desenhista americano Saul Steinberg o primeiro lugar da Exposição Internacional do Museu da Caricatura de Buenos Aires, na Argentina. Nesse ano escreveu as peças Bonito como um Deus, Um elefante no caos, que lhe rendeu um prêmio de Melhor Autor pela Comissão Municipal de Teatro, e Pigmaleoa.

Em 1962, na edição de 10 de março de O Cruzeiro, passou a assinar como Millôr. Em 1969, foi um dos fundadores do jornal O Pasquim. Um ano depois, deixa a revista e começa a trabalhar no jornal Correio da Manhã. Em 1974, lançou a revista Pif-Paf, que fechou em seu oitavo número, por problemas financeiros. No ano seguinte, escreveu para Fernanda Montenegro a peça É..., que se tornou o seu grande sucesso teatral.

Em 1996, passou a colaborar com os jornais O Dia, O Estado de São Paulo e Correio Braziliense. Ao longo se sua carreira, escreveu mais de 30 livros em prosa, três de poesia, além de mais de quinze peças para teatro. Depois de colaborar com os principais jornais brasileiros, passou a escrever para a revista Veja em setembro de 2004. Ele deixou a revista em 2009.


                                                                                      


Morreu Chico Anysio


Chico Anysio

O humorista brasileiro Chico Anysio morreu aos 80 anos de idade devido a problemas cardíacos, anunciou o Hospital Samaritano, no Rio de Janeiro.
 
Anysio, conhecido pelos mais de 200 personagens que criou, como o professor Raimundo e o vampiro Bento Carneiro, estava internado desde 22 de dezembro devido a uma hemorragia digestiva que foi seguida de infeção pulmonar e complicações renais.
Em 65 anos de carreira, Chico Anysio tornou-se um dos maiores humoristas do Brasil, com destaque na televisão, no teatro, no cinema e na rádio.

Rádio e TV

"Foi no Rádio Guanabara, ainda nos anos 50, que os seus tipos cômicos começaram a surgir. Até o “talento para imitar vozes”, como o proprio Chico descreveria em seu site, evoluir para a televisão. A estreia aconteceu em 1957, na extinta TV Rio, no programa “Aí vem dona Isaura”. Foi lá que o Professor Raimundo teve sua primeira aparição no vídeo, como o tio da protagonista que vinha do Nordeste — até então o programa só havia sido veiculado pelo rádio.

“Até tinha uma coisa de sentar para criar, mas uns nasceram pela voz, outros pelo tipo, pela personalidade, pela caracterização. Sempre fiz questão de que eles fossem encontrados sem que eu estivesse presente. Que alguém dissesse: "'Na minha terra, tem um Pantaleão. No Rio tem muito Azambuja’”, explicou o humorista ao “Estado de S. Paulo”, em 2009.

Num tempo em que ainda não existiam contratos de exclusividade, Chico pôde fazer participações especiais em programas de outras emissoras e em chanchadas da Atlântida.
O “Chico Anysio Show”, seu primeiro programa de humor, foi lançado no início da década de 60. Foi ao ar pela TV Rio, depois pela Excelsior e em 1982 voltou a ser exibido pela Rede Globo — onde o humorista já trabalhava desde 1969.
Mas foi na Globo que teve seus programas humorísticos de maior sucesso e onde desenvolveu a maioria de seus personagens. Entre as atrações, destaque para “Chico city” (1973-1980), “Chico total” (1981 e 1996) e “Chico Anysio show” (1982-1990).

Alguns desses personagens quase que se misturam à história da televisão brasileira, como o ator canastrão Alberto Roberto, o pão-duro Gastão Franco, o coronel Pantaleão, o pai-de-santo Véio Zuza, o velhinho ranzinza Popó, o alcoólatra Tavares e sua mulher Biscoito (Zezé Macedo) e o revoltado Jovem."

terça-feira, 27 de março de 2012

James Cameron desce ao vale Challenger Deep, na Fossa das Marianas


           James Cameron junto ao submersível a Sul de Sidney

O realizador dos filmes “Titanic” e “Avatar”, James Cameron, regressou são e salvo, de uma viagem à fossa das Marianas, o ponto mais profundo do oceano a 11 quilómetros, no âmbito da expedição Deep Sea Challenge.
Cameron, explorador da National Geographic, tornou-se no primeiro homem a viajar sozinho a uma zona tão profunda dos oceanos, ao vale Challenger Deep na Fossa das Marianas, no Oceano Pacífico.

A bordo de um submersível com oito metros de comprimento, especialmente concebido para o efeito, Cameron desceu 11 quilómetros - para recolher dados científicos e espécimes e captar imagens do fundo do mar -, numa viagem que demorou 2h36. De acordo com a National Geographic Society, Cameron atingiu os 10.898 metros de profundidade a 26 de Março, às 7h52 locais (ou domingo, dia 25 de Março, às 21h52, hora em Portugal). “Chegar ao fundo nunca soube tão bem. Mal posso esperar para partilhar convosco aquilo que estou a ver", disse Cameron, através de uma mensagem no Twitter.

A viagem de regresso à superfície demorou 70 minutos. A chegada aconteceu às 2h00 (hora em Portugal), a 500 quilómetros a Sul da ilha americana de Guam.

Depois de anos de preparação, a equipa de Cameron - composta por engenheiros e investigadores - conseguiu começar a explorar parte da Fossa das Marianas, com 2400 quilómetros de extensão no fundo do Oceano Pacífico. A expedição continua o trabalho de Don Walsh e Jacques Piccard, os primeiros homens a descer até esta região, a 23 de Janeiro de 1960. Mas o batiscafo "Trieste" utilizado nessa altura não permitia a captação de imagens nem de amostras e Walsh e de Piccard estiveram apenas 20 minutos no fundo do oceano.

Cameron manobrou o submersível por regiões inexploradas para captar imagens para um documentário que terá como principal objectivo promover a exploração e a descoberta científica dos oceanos. “Existe valor científico nas imagens captadas na Fossa das Marianas”, contou Cameron à National Geographic pouco antes do mergulho.

“Será algo totalmente diferente daquilo que já alguma vez vimos, a bordo de outros submarinos ou veículos operados remotamente”, comentou Doug Bartlett, biólogo marinho no Instituto Scripps de Oceanografia em San Diego, na Califórnia.

O submersível utilizado estava equipado com várias câmaras e um braço robotizado para recolher rochas e animais. O material recolhido poderá ajudar a compreender melhor os sismos que causam tsunamis devastadores e as forças tectónicas que ajudam a dar forma ao planeta e conhecer a fauna que sobrevive naquelas regiões inóspitas. "É possível que o Deep Sea Challenger regresse das profundezas do oceano com imagens e amostras de animais que nunca vimos", escreve a National Geographic em comunicado.

Para Cameron, chegar ao ponto mais profundo do planeta tem sido um desejo de há muito tempo. "A imaginação alimenta a exploração", comentou. "Temos de imaginar que é possível antes de partirmos e conseguirmos lá chegar."

A revista National Geographic vai publicar os resultados desta expedição, depois de analisadas as amostras e os espécimes recolhidos, informa a instituição em comunicado.

A expedição é um projecto conjunto de Cameron, da National Geographic e da Rolex. O principal parceiro científico é o Instituto Scripps de Oceanografia em San Diego.        

       

segunda-feira, 26 de março de 2012


"Toda a sociedade que não é esclarecida por filósofos é enganada por charlatães."

Condorcet


quarta-feira, 14 de março de 2012

Shimon Peres: "Be My Friend For Peace "



Habitualmente sisudo, o Presidente do Estado de Israel, Shimon Peres, aparece neste video-clip afável e descontraído. Será Israel a tentar mudar a imagem de país armamentista e opressor? Agora que há rumores de um ataque às instalações nucleares do Irão, por parte de Israel, esta iniciativa traz alguma distenção.

França: Campanha Presidencial



Nicolas Sarkosy, lider da UMP ( União para o Movimento Popular),  recorre ao tema da imigração e supera François Hollande, o candidato do Partido Socialista.  Pela primeira vez desde o início da pré-campanha para as presidenciais de Abril, o Presidente francês, aparece à frente dos outros candidatos, na preferência dos eleitores – um desempenho que consegue depois de atacar a União Europeia e defender limites mais rígidos à imigração.

Nicolas Sarkozy só no mês passado oficializou a recandidatura , mas aproveitou a última semana para divulgar um conjunto de medidas controversas, como a introdução de um imposto para os lucros dos grandes grupos económicos ou a redução, para metade, das autorizações de residência atribuídas anualmente a estrangeiros.

Admitiu igualmente retirar a França do espaço Schengen se o acordo de livre circulação europeia não for revisto no sentido de endurecer o combate à imigração ilegal. Ainda no domínio europeu, defendeu a introdução de medidas de protecção da indústria comunitária, mesmo que para tal seja necessário recuperar algumas barreiras à importação. As proposta foram denunciadas pelos socialistas – que as apelidou de populistas – e pela extrema-direita, que acusou Sarkozy de aproveitamento eleitoral.


 

domingo, 11 de março de 2012

Histeria Coletiva


Ao contrário do que é voz corrente, não considero que as palavras do Sr. Presidente da República, no prefácio do seu livro “Roteiros”, sejam particularmente ofensivas para a idoneidade e dignidade do Partido Socialista, nem tão pouco extemporâneas ou desadequadas, relativamente aos tempos difíceis que o país atravessa. Também não são de modo algum geradoras de fraturas e clivagens na sociedade portuguesa e não é por isto que se deixarão de conseguir consensos, entre o Partido Social Democrata e o Partido Socialista, em áreas fundamentais da ação governativa. O PS assinou o Memorando de Entendimento da Troika e, de uma forma responsável, não pensa quebrar o acordo.

É absolutamente necessário que conheçamos a verdade. Quanto a mim, esta análise vem no momento certo e no local devido, quando o Presidente faz o resumo daquilo que foi o exercício do mandato presidencial, no ano transato, tendo portanto todo o direito de apresentar a sua versão dos fatos, mostrando ao país neutralidade e isenção e que não está dependente dos jogos partidários, nem preocupado em beneficiar a sua imagem. Ao entrar no segundo ano do último mandato, o Presidente vai começando a fazer o balanço e aproveita para clarificar algumas zonas desconhecidas. Espero, sinceramente, que nada fique por dizer e que a verdade venha à tona, custe o que custar, doa a quem doer. Não se trata de um ajuste de contas com a figura do ex-PM, nem tão pouco é um libelo acusatório contra o governo de José Sócrates. Agora que já passou o período de maior turbulência e indefinição, quando, bruscamente, tivemos consciência da situação e o país se mostrava ansioso e especulava sobre qual seriam as imposições da troika, é altura para se abrir o jogo e conhecermos algumas coisas do que foram os últimos meses, antes da chegada da ajuda externa. Pelo que se sabe, já entramos numa espécie de velocidade de cruzeiro, Portugal tem vindo a cumprir o memorando da troika, a avaliação tem sido positiva e têm sido disponibilizadas as tranches, sem sobressaltos. Segunda a Diretora do FMI, Cristine Lagarde, parecem estar dissipadas as nuvens cinzentas da crise sistémica, que ameaçavam a Europa.

Portugal é um país onde a culpa morre sempre solteira. O antigo PM é um homem acuado por todos os lados e mais alguns. Suspeições, desconfianças, acusações veladas ou meio provadas, são o quotidiano, o anedotário nacional e o prato forte da imprensa portuguesa; cursos, formaturas e diplomas conseguidos em locais e horas duvidosas, telefonemas e pressões sobre a comunicação social, somas avultadas de dinheiro, que aparecem em contas de familiares localizadas em paraísos fiscais, escutas em que é citado e que são mandadas destruir por zelosos juízes do Supremo Tribunal de Justiça; é a má governação, é uma queda especial para a mediocridade e para a prepotência, com ambições e tiques ridículos de grande líder europeu, tudo isto José Sócrates passeou gloriosamente pelo país, seduzindo alguns, afrontando outros.

Por má governação, o Primeiro-Ministro da Islândia, Geir Haarde, está a ser julgado por um tribunal especial, para determinar a sua responsabilidade no colapso do setor bancário e que afundou a Islândia numa grave crise económico-financeira.
Por pressões sobre a comunicação social e por ter usufruído de férias em casa de um empresário do cinema, numa ilha do mar do Norte, quando ainda era primeiro-ministro da Baixa Saxónia, tendo em contrapartida, o Ministério das Finanças alemão avalizado um empréstimo para a empresa desse empresário amigo, na altura em que ambos desfrutavam juntos o Verão, o Presidente alemão Christian Wulff demitiu-se há poucas semanas.

O eng. José Sócrates ludibriou os portugueses, quando apresentou na União Europeia o PEC IV, sem previamente informar as outras forças partidárias, das posições que iriam ser tomadas pelo executivo em Bruxelas, num desrespeito pela prática da Assembleia da República. Do que se queixa o Sr. Presidente da República, é exatamente do mesmo que, na altura destes acontecimentos, suscitou enorme celeuma e o maior descontentamento e repúdio por parte da oposição, levando à rejeição do programa e cavando irremediavelmente um fosso, o que levou ao pedido de demissão do PM e à consequente dissolução do Parlamento por parte do  Presidente da República. Eis o que consta do prefácio no livro “Roteiros:”

“O Primeiro-Ministro não me deu conhecimento prévio do programa, nem me tinha dado conta das medidas de austeridade orçamental que o Governo estava a preparar e da sua imprescindibilidade para atingir as metas do défice público previstas para 2011, 2012 e 2013. Pelo contrário, a informação que me era fornecida referia uma situação muito positiva relativamente à execução orçamental nos primeiros meses do ano. O Primeiro-Ministro não informou previamente o Presidente da República da apresentação do Programa de Estabilidade e Crescimento às instituições comunitárias. Tratou-se de uma falta de lealdade institucional que ficará registada na história da nossa democracia. O Presidente da República, nos termos constitucionais, deve ser informado acerca de assuntos respeitantes à condução da política interna e externa do País." (in Prefácio - “Roteiros”).

Com acesso ou não a toda e qualquer ionformação adicional, da parte do Banco de Portugal, desde que fosse solicitada pela Presidência da República, esta não deixaria de ser à mesma uma falta grave cometida pelo ex-PM.

Mais à frente, o Prof. Cavaco Silva explica porque anteriormente não dissolveu a Assembleia de República:

“Neste quadro constitucional, …o que se tem verificado, na prática, é os Presidentes da República dissolverem o Parlamento quando entendem que o Governo já não reúne condições para se manter em funções.
Os Portugueses sabem que sou um defensor da estabilidade política, ainda que não a qualquer preço. Mas, como já declarei várias vezes, considero que, gozando o Governo da confiança da Assembleia da República, perante a qual responde politicamente, só em circunstâncias excecionais deve o Presidente proceder à dissolução do Parlamento. Se esta leitura da Constituição é válida em tempos de normalidade, ela ganha relevância acrescida sempre que o País se vê confrontado com uma situação financeira, económica e social que, pela sua inusitada gravidade, reclama ponderação, equilíbrio e sentido de Estado por parte de todos os agentes políticos.
Desde que assumi funções como Presidente da República foram rejeitadas todas as moções de censura ao Governo votadas na Assembleia, incluindo na fase em que o Executivo dispunha apenas de maioria relativa. Os partidos da oposição, embora manifestassem sérias reservas quanto à confiança política que o Governo do Partido Socialista lhes inspirava, não só não rejeitaram o Programa de Governo que este apresentou, na sequência das eleições de 2009, como, em nenhuma ocasião, aprovaram na Assembleia da República uma moção de censura ao Executivo.
Na profunda reflexão que fiz, e que não deixou de atender à circunstância de me encontrar constitucionalmente impedido de dissolver a Assembleia nos últimos seis meses do meu mandato, concluí que não se verificava o pressuposto constitucionalmente necessário para demitir o Governo, já que o regular funcionamento das instituições não se encontrava em causa.”

O Dr. Mário Soares, na qualidade de fundador do PS, com o seu natural instinto político e a sua conhecida aptidão para retirar dividendos e louros das mais inesperadas situações, já revelou que teve uma longa e acesa discussão com o eng. Sócrates, intimando-o, quase, a solicitar a ajuda externa, pois encontrávamo-nos à beira do precipício e não há notícia de que alguém, da direção do PS, se tenha insurgido e criticado, de forma veemente o Dr. Mário Soares.

O PS não se deve mostrar atingido. Afinal foi o PS quem governou (mal), encaminhando-nos para uma situação de rutura das finanças públicas, à beira da bancarrota. Esta é que é a realidade. Tentar mascarar isto é pura demagogia, fuga à responsabilidade histórica e uma tentativa de encobrimento do passado, através de uma gritaria inusitada. Aliás, demonstra mesmo completa imoralidade, quando a obrigação de alguns responsáveis do anterior executivo seria mesmo fazer “mea culpa”, admitindo que aqui e ali foram cometidos erros e excessos. Talvez dessa forma ajudassem a limpar a imagem, que se formou dos dirigentes políticos, desacreditados e apodados de incompetentes, transformando a política, aos olhos dos seus concidadãos, num mero exercício de distribuição de favores e administração de interesses.

O Dr. Pedro Silva Pereira, ex-ministro da Presidência, não tem razão, quando vem a terreiro defender o governo do seu ex-PM, José Sócrates. Ao boneco de Geppetto, Pinocchio, crescia-lhe o nariz, quando mentia. Pedro Sila Pereira mentiu, quando no exercício das suas funções ministeriais não disse aos portugueses qual a verdadeira situação financeira do país. Não venha agora mostrar-se novamente angelical, como foi o seu desempenho teatral e o seu discurso, ao longo dos últimos anos. Para esse peditório já demos. Também esperava algo mais ponderado de Francisco Assis, que não embarcasse cegamente na defesa do PS e de toda a direção do Partido. É mau e demonstra falta de independência do pensamento político, da parte de alguém que vínhamos a seguir e respeitar, como um dos principais teóricos do partido.

Tem havido nos últimos tempos uma espécie de histeria coletiva, contra qualquer ação do Presidente da República, empolando-se tudo o que diz e escreve e exacerbando-se a raiva contra ele. Se alguma falha houve quando o Presidente se queixou da sua magra reforma, já não penso que ele se deva submeter - e com ele a dignidade do alto cargo que desempenha - ao enxovalho de algumas dúzias de adolescentes ranhosos que o esperavam à porta da Escola António Arroio. Que diriam se o Presidente fosse brindado com um pacote de farinha e os mais escabrosos insultos? Não, não é por aí que mostramos a nossa liberdade democrática ou se consegue alterar a forma de estar e de pensar do Prof. Cavaco Silva.

José Sócrates teve uma época de intensa luta contra alguns lobbies e interesses instalados; efetuou reformas importantes, como aliás foi admitido pelo próprio presidente, que chegou a apelidar o governo de reformista. Mas o autoritarismo, a repetição até á náusea dos mesmos clichés políticos e o percurso em círculo, levaram-no a um labirinto, onde se aprisionou e não conseguiu encontrar a saída airosa, ensaiando uma fuga para a frente, em terreno cada vez mais traiçoeiro e pantanoso e que nunca quis admitir.

Hoje José Sócrates vive em França, estudando e aumentando a sua cultura em Filosofia. Voltará um dia à vida política ativa, esperemos que menos confuso, mais esclarecido e seguro, menos prepotente, com mais honestidade e simplicidade na sua ligação aos verdadeiros interesses coletivos do seu país. Só lhe fará bem. Como homem na sua dimensão humana integral e como político, naquilo que a política tem de mais nobre.

J.L.F.




quinta-feira, 8 de março de 2012

Pobreza


O Dr. Basílio Horta faz uma crítica feroz à atuação do governo, quanto às diferenciações que está a fazer, nos cortes de salários. Diz que acha muito mal, que o governo de coligação trate os portugueses como portugueses de primeira e portugueses de segunda. Porque é que a TAP, a Caixa Geral de Depósitos e o Banco de Portugal têm regimes de exceção e conseguem um estatuto diferente do resto do país, pergunta o vice-presidente da bancada socialista.

O Dr. Basílio Horta faz muito bem, em impor a sua autoridade, em mostrar o seu descontentamento e a sua irritação, com estas medidas e com o rumo que algumas coisas levam. Já se percebeu que o governo PSD/CDS tem uma forte tendência para resvalar, numa deriva perigosa, para um tipo de sociedade onde os ricos se perpetuam incólumes e os pobres viverão das esmolas, das sopas e dos cartões de racionamento, catalogados e registados nos serviços da Segurança Social.

Com o agravamento das taxas da saúde e com o corte nas pensões dos reformados, já temos um aumento exponencial do número de mortos; e porque o Estado baixou a fasquia do critério e da exigência, fabricando leis que permitem o elevar do número de idosos nas instituições de caridade, temos agora também os utentes amontoados em lares de duvidosa qualidade. O mesmo para as creches, onde idênticas medidas terão efeitos e consequências nefastas para as crianças, a breve prazo.

Em tudo o que este governo mexe, logo põe a nu a crueza da desigualdade social, o estigma e o ferrete da condição de pobre, da indigência e da pobreza rotulada e afixada em tabuleta. Em vez de uma sociedade tendendo para a igualdade transversal dos cidadãos, temos o corte longitudinal e abrupto dividindo o tecido social, gerador de descontentamento e mal-estar.

J.L.F.

The Questions of Life - Stephen Hawking (Part 4)




The Questions of Life - Stephen Hawking (Part 3)





The Questions of Life - Stephen Hawking (Part 2)




The Questions of Life - Stephen Hawking (Part 1)




segunda-feira, 5 de março de 2012

A Cortina de Ferro



Há 66 anos Winston Churchill (Oxfordshire, 30 Nov.1874 - Londres, 24 Jan. 1965), citava pela primeira vez a famosa expressão "Cortina de Ferro" (Iron Curtain"), no Westminster College para designar a divisão da Europa em duas partes - a Europa Ocidental e a Europa Oriental. Devido à politica de isolamento imposta pela ex-União Soviética formaram-se duas áreas de influência politica-económica distintas, no pós-segunda guerra mundial, numa era que também se apelidou de guerra fria (cold war).

Sir Winston Churchill recebeu o Prémio Nobel da Literatura em 195 pela suas memórias de guerra e pelo seu trabalho literário e jornalistico, antes de ocupar o cargo de primeiro-ministro do Reino Unido.

Em 1963, aos 89 anos foi homenageado com o título de cidadão honorário dos Estados Unidos, pelo então presidente John Kennedy.

Morreu em Hide Park Gate, em Londres a 24 de janeiro de 1965.


quinta-feira, 1 de março de 2012

Ressonâncias e Reverberações



"Nenhuma lei deve ser obedecida se for injusta, nenhuma regra deve ser obedecida se desprezar a virtude, nenhum regime político deve ser obedecido se for tirânico e assassino".

Sócrates
"Cometer injustiça é pior do que fazê-la"
Platão 

Não se trata de defender os arguidos do caso Casa Pia, até porque não tenho informação bastante, nem tão pouco conheço suficientemente o processo, para emitir qualquer juízo de valor sobre a culpabilidade ou a inocência deste grupo de pessoas envolvidas nesse labirinto kafkiano. A minha opinião é apenas a de um cidadão comum, que abre os olhos de perplexidade com todo este imbróglio jurídico.

Além do espanto que a toda a gente causa o espetáculo do gigantismo e da morosidade de um megaprocesso como este, que se arrasta há dez anos e onde desfilaram, centenas de testemunhas, milhares de páginas de relatos e de horas de audições, - precavendo supostamente, todas e mais algumas garantias, acabando por ter o efeito perverso - surge a última inovação, no que ao mundo dos tribunais e que das condenações diz respeito.

Além do volte face nas declarações, das contradições das testemunhas e da negação pura e simples, publicamente, do que anteriormente fora dito e que não é tomado em linha de conta, porque, segundo a lei, não existe matéria de fato suficientemente relevante que leve à revisão do processo, o que já de si é limitador do exercício do direito de defesa dos arguidos; assim, como se tudo isto não bastasse, eis senão quando a magistratura portuguesa vem inovar e inaugurar um novo código ético e de valores, para a Justiça. 



A sra. juíza que preside ao coletivo de juízes neste caso, condena um indivíduo, não por fatos e provas reais, objetivas e cientificamente comprovadas, mas porque pressentiu uma “ressonância da verdade”, nesses testemunhos. É exatamente esta, a expressão usada no acórdão que dita a sentença do arguido Carlos Cruz. O que já era complicado, mais tortuoso e sombrio se tornou. Poderá a justiça tornar-se uma complicada teia e um enredo de formulações de palpites, sensibilidades e pressentimentos? Se esta figura de estilo e esta linguagem fizerem história, tornando-se frequentes no léxico jurídico, ou se porventura se transformarem em jurisprudência, teremos vitimas, defesa e ministério público a formularem os seus depoimentos, a partir dos mesmos pressupostos. 

Veremos um julgamento nestes termos:

- baseando-me na minha experiência de  anos de pressentimentos…
- meritíssimo juiz, a testemunha acusa o meu constituinte baseada numa suposição e numa mera intuição de que iria ser violada..
- a testemunha está no pleno uso das suas prerrogativas legais e constitucionais, vejo uma ressonância da verdade no que diz a testemunha, portanto condene-se o réu!

 Será que agora a Lei e o Direito passaram a ser aplicadas através das capacidades mediúnicas dos magistrados? Estaremos em presença de um novo paradigma da justiça? Estarão as clássicas figuras do direito democrático, como o “in dubio pro reu” e o saudável princípio constitucional de que deve ser o acusador a provar a culpa e não o suspeito a fazer prova da sua inocência, estarão dizia, em risco de desaparecerem? Sobreviverão ainda?

Numa era em que cada vez mais, nos países do primeiro mundo, a justiça é baseada na ciência forense, em recolhas de ADN, em análises médicas e perícias microscópicas de tecidos, fibras e fluidos, na prova inequívoca, em suma, em Portugal caminha-se em sentido contrário, tornando as sensações e impressões, o eixo fulcral de um julgamento e de uma sentença definitiva.

A partir de agora, derrubam-se os pilares essenciais de um estado de direito e tudo o que vimos aprendendo sobre o respeito pelos valores humanos e pelos direitos fundamentais de alguém suspeito de crime, cai por terra, porque surge a nova figura jurídica da Ressonância e da Reverberação.

Teremos por aí também reverberações e fenómenos do transcendental? Estará a nossa justiça a ser orientada por ecos, vislumbres, reflexos, frequências, ondas eletromagnéticas ou sinais e fórmulas estranhas vindas do espaço exterior? Ou será apenas uma manifestação da excentricidade, da megalomania e do desregramento de uma juíza que não consegue conter dentro de parâmetros concretos o seu absolutismo?

Estaremos de volta ao Big Brother, ou haverá quem queira formar um novo Estado - a República Independente da Ressonância e da Reverberação. Será assim?

J.L.F.