Trópico de Capricórnio

É a linha geográfica imaginária situada abaixo do Equador. Fica localizada a 23º 26' 27'' de Latitude Sul. Atravessa três continentes, onze países e três grandes oceanos.


quinta-feira, 1 de março de 2012

Ressonâncias e Reverberações



"Nenhuma lei deve ser obedecida se for injusta, nenhuma regra deve ser obedecida se desprezar a virtude, nenhum regime político deve ser obedecido se for tirânico e assassino".

Sócrates
"Cometer injustiça é pior do que fazê-la"
Platão 

Não se trata de defender os arguidos do caso Casa Pia, até porque não tenho informação bastante, nem tão pouco conheço suficientemente o processo, para emitir qualquer juízo de valor sobre a culpabilidade ou a inocência deste grupo de pessoas envolvidas nesse labirinto kafkiano. A minha opinião é apenas a de um cidadão comum, que abre os olhos de perplexidade com todo este imbróglio jurídico.

Além do espanto que a toda a gente causa o espetáculo do gigantismo e da morosidade de um megaprocesso como este, que se arrasta há dez anos e onde desfilaram, centenas de testemunhas, milhares de páginas de relatos e de horas de audições, - precavendo supostamente, todas e mais algumas garantias, acabando por ter o efeito perverso - surge a última inovação, no que ao mundo dos tribunais e que das condenações diz respeito.

Além do volte face nas declarações, das contradições das testemunhas e da negação pura e simples, publicamente, do que anteriormente fora dito e que não é tomado em linha de conta, porque, segundo a lei, não existe matéria de fato suficientemente relevante que leve à revisão do processo, o que já de si é limitador do exercício do direito de defesa dos arguidos; assim, como se tudo isto não bastasse, eis senão quando a magistratura portuguesa vem inovar e inaugurar um novo código ético e de valores, para a Justiça. 



A sra. juíza que preside ao coletivo de juízes neste caso, condena um indivíduo, não por fatos e provas reais, objetivas e cientificamente comprovadas, mas porque pressentiu uma “ressonância da verdade”, nesses testemunhos. É exatamente esta, a expressão usada no acórdão que dita a sentença do arguido Carlos Cruz. O que já era complicado, mais tortuoso e sombrio se tornou. Poderá a justiça tornar-se uma complicada teia e um enredo de formulações de palpites, sensibilidades e pressentimentos? Se esta figura de estilo e esta linguagem fizerem história, tornando-se frequentes no léxico jurídico, ou se porventura se transformarem em jurisprudência, teremos vitimas, defesa e ministério público a formularem os seus depoimentos, a partir dos mesmos pressupostos. 

Veremos um julgamento nestes termos:

- baseando-me na minha experiência de  anos de pressentimentos…
- meritíssimo juiz, a testemunha acusa o meu constituinte baseada numa suposição e numa mera intuição de que iria ser violada..
- a testemunha está no pleno uso das suas prerrogativas legais e constitucionais, vejo uma ressonância da verdade no que diz a testemunha, portanto condene-se o réu!

 Será que agora a Lei e o Direito passaram a ser aplicadas através das capacidades mediúnicas dos magistrados? Estaremos em presença de um novo paradigma da justiça? Estarão as clássicas figuras do direito democrático, como o “in dubio pro reu” e o saudável princípio constitucional de que deve ser o acusador a provar a culpa e não o suspeito a fazer prova da sua inocência, estarão dizia, em risco de desaparecerem? Sobreviverão ainda?

Numa era em que cada vez mais, nos países do primeiro mundo, a justiça é baseada na ciência forense, em recolhas de ADN, em análises médicas e perícias microscópicas de tecidos, fibras e fluidos, na prova inequívoca, em suma, em Portugal caminha-se em sentido contrário, tornando as sensações e impressões, o eixo fulcral de um julgamento e de uma sentença definitiva.

A partir de agora, derrubam-se os pilares essenciais de um estado de direito e tudo o que vimos aprendendo sobre o respeito pelos valores humanos e pelos direitos fundamentais de alguém suspeito de crime, cai por terra, porque surge a nova figura jurídica da Ressonância e da Reverberação.

Teremos por aí também reverberações e fenómenos do transcendental? Estará a nossa justiça a ser orientada por ecos, vislumbres, reflexos, frequências, ondas eletromagnéticas ou sinais e fórmulas estranhas vindas do espaço exterior? Ou será apenas uma manifestação da excentricidade, da megalomania e do desregramento de uma juíza que não consegue conter dentro de parâmetros concretos o seu absolutismo?

Estaremos de volta ao Big Brother, ou haverá quem queira formar um novo Estado - a República Independente da Ressonância e da Reverberação. Será assim?

J.L.F.




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