Ao contrário do que é voz
corrente, não considero que as palavras do Sr. Presidente da República, no
prefácio do seu livro “Roteiros”, sejam particularmente ofensivas para a idoneidade
e dignidade do Partido Socialista, nem tão pouco extemporâneas ou desadequadas,
relativamente aos tempos difíceis que o país atravessa. Também não são de modo
algum geradoras de fraturas e clivagens na sociedade portuguesa e não é por
isto que se deixarão de conseguir consensos, entre o Partido Social Democrata e
o Partido Socialista, em áreas fundamentais da ação governativa. O PS assinou o
Memorando de Entendimento da Troika e, de uma forma responsável, não pensa
quebrar o acordo.
É absolutamente necessário que
conheçamos a verdade. Quanto a mim, esta análise vem no momento certo e no
local devido, quando o Presidente faz o resumo daquilo que foi o exercício do
mandato presidencial, no ano transato, tendo portanto todo o direito de
apresentar a sua versão dos fatos, mostrando ao país neutralidade e isenção e
que não está dependente dos jogos partidários, nem preocupado em beneficiar a
sua imagem. Ao entrar no segundo ano do último mandato, o Presidente vai
começando a fazer o balanço e aproveita para clarificar algumas zonas desconhecidas.
Espero, sinceramente, que nada fique por dizer e que a verdade venha à tona,
custe o que custar, doa a quem doer. Não se trata de um ajuste de contas com a
figura do ex-PM, nem tão pouco é um libelo acusatório contra o governo de José
Sócrates. Agora que já passou o período de maior turbulência e indefinição,
quando, bruscamente, tivemos consciência da situação e o país se mostrava
ansioso e especulava sobre qual seriam as imposições da troika, é altura para
se abrir o jogo e conhecermos algumas coisas do que foram os últimos meses,
antes da chegada da ajuda externa. Pelo que se sabe, já entramos numa espécie
de velocidade de cruzeiro, Portugal tem vindo a cumprir o memorando da troika,
a avaliação tem sido positiva e têm sido disponibilizadas as tranches, sem
sobressaltos. Segunda a Diretora do FMI, Cristine Lagarde, parecem estar
dissipadas as nuvens cinzentas da crise sistémica, que ameaçavam a Europa.
Portugal é um país onde a culpa
morre sempre solteira. O antigo PM é um homem acuado por todos os lados e mais
alguns. Suspeições, desconfianças, acusações veladas ou meio provadas, são o
quotidiano, o anedotário nacional e o prato forte da imprensa portuguesa;
cursos, formaturas e diplomas conseguidos em locais e horas duvidosas,
telefonemas e pressões sobre a comunicação social, somas avultadas de dinheiro,
que aparecem em contas de familiares localizadas em paraísos fiscais, escutas
em que é citado e que são mandadas destruir por zelosos juízes do Supremo
Tribunal de Justiça; é a má governação, é uma queda especial para a
mediocridade e para a prepotência, com ambições e tiques ridículos de grande
líder europeu, tudo isto José Sócrates passeou gloriosamente pelo país,
seduzindo alguns, afrontando outros.
Por má governação, o Primeiro-Ministro
da Islândia, Geir Haarde, está a ser julgado por um tribunal especial, para
determinar a sua responsabilidade no colapso do setor bancário e que afundou a
Islândia numa grave crise económico-financeira.
Por pressões sobre a comunicação social e por ter usufruído de férias em casa de um empresário do cinema, numa ilha do mar do Norte, quando ainda era primeiro-ministro da Baixa Saxónia, tendo em contrapartida, o Ministério das Finanças alemão avalizado um empréstimo para a empresa desse empresário amigo, na altura em que ambos desfrutavam juntos o Verão, o Presidente alemão Christian Wulff demitiu-se há poucas semanas.
Por pressões sobre a comunicação social e por ter usufruído de férias em casa de um empresário do cinema, numa ilha do mar do Norte, quando ainda era primeiro-ministro da Baixa Saxónia, tendo em contrapartida, o Ministério das Finanças alemão avalizado um empréstimo para a empresa desse empresário amigo, na altura em que ambos desfrutavam juntos o Verão, o Presidente alemão Christian Wulff demitiu-se há poucas semanas.
O eng. José Sócrates ludibriou os
portugueses, quando apresentou na União Europeia o PEC IV, sem previamente
informar as outras forças partidárias, das posições que iriam ser tomadas pelo
executivo em Bruxelas, num desrespeito pela prática da Assembleia da República.
Do que se queixa o Sr. Presidente da República, é exatamente do mesmo que, na
altura destes acontecimentos, suscitou enorme celeuma e o maior
descontentamento e repúdio por parte da oposição, levando à rejeição do
programa e cavando irremediavelmente um fosso, o que levou ao pedido de
demissão do PM e à consequente dissolução do Parlamento por parte do Presidente da República. Eis o que consta do
prefácio no livro “Roteiros:”
“O Primeiro-Ministro
não me deu conhecimento prévio do programa, nem me tinha dado conta das medidas
de austeridade orçamental que o Governo estava a preparar e da sua
imprescindibilidade para atingir as metas do défice público previstas para
2011, 2012 e 2013. Pelo contrário, a informação que me era fornecida referia
uma situação muito positiva relativamente à execução orçamental nos primeiros
meses do ano. O Primeiro-Ministro não informou previamente o Presidente da
República da apresentação do Programa de Estabilidade e Crescimento às
instituições comunitárias. Tratou-se de uma falta de lealdade institucional que
ficará registada na história da nossa democracia. O Presidente da República,
nos termos constitucionais, deve ser informado acerca de assuntos respeitantes
à condução da política interna e externa do País." (in Prefácio - “Roteiros”).
Com acesso ou não a toda e qualquer ionformação adicional, da parte do Banco de Portugal, desde que fosse solicitada pela Presidência da República, esta não deixaria de ser à mesma uma falta grave cometida pelo ex-PM.
Mais à frente, o Prof. Cavaco Silva explica porque anteriormente não dissolveu a Assembleia de República:
“Neste quadro constitucional, …o que se tem verificado, na prática, é os Presidentes da República dissolverem o Parlamento quando entendem que o Governo já não reúne condições para se manter em funções.
Os Portugueses sabem que sou um defensor da estabilidade política, ainda que não a qualquer preço. Mas, como já declarei várias vezes, considero que, gozando o Governo da confiança da Assembleia da República, perante a qual responde politicamente, só em circunstâncias excecionais deve o Presidente proceder à dissolução do Parlamento. Se esta leitura da Constituição é válida em tempos de normalidade, ela ganha relevância acrescida sempre que o País se vê confrontado com uma situação financeira, económica e social que, pela sua inusitada gravidade, reclama ponderação, equilíbrio e sentido de Estado por parte de todos os agentes políticos.
Desde que assumi funções como Presidente da República foram rejeitadas todas as moções de censura ao Governo votadas na Assembleia, incluindo na fase em que o Executivo dispunha apenas de maioria relativa. Os partidos da oposição, embora manifestassem sérias reservas quanto à confiança política que o Governo do Partido Socialista lhes inspirava, não só não rejeitaram o Programa de Governo que este apresentou, na sequência das eleições de 2009, como, em nenhuma ocasião, aprovaram na Assembleia da República uma moção de censura ao Executivo.
Na profunda reflexão que fiz, e que não deixou de atender à circunstância de me encontrar constitucionalmente impedido de dissolver a Assembleia nos últimos seis meses do meu mandato, concluí que não se verificava o pressuposto constitucionalmente necessário para demitir o Governo, já que o regular funcionamento das instituições não se encontrava em causa.”
O Dr. Mário Soares, na qualidade
de fundador do PS, com o seu natural instinto político e a sua conhecida
aptidão para retirar dividendos e louros das mais inesperadas situações, já
revelou que teve uma longa e acesa discussão com o eng. Sócrates, intimando-o,
quase, a solicitar a ajuda externa, pois encontrávamo-nos à beira do precipício
e não há notícia de que alguém, da direção do PS, se tenha insurgido e
criticado, de forma veemente o Dr. Mário Soares.
O PS não se deve mostrar
atingido. Afinal foi o PS quem governou (mal), encaminhando-nos para uma
situação de rutura das finanças públicas, à beira da bancarrota. Esta é que é a
realidade. Tentar mascarar isto é pura demagogia, fuga à responsabilidade
histórica e uma tentativa de encobrimento do passado, através de uma gritaria
inusitada. Aliás, demonstra mesmo completa imoralidade, quando a obrigação de
alguns responsáveis do anterior executivo seria mesmo fazer “mea culpa”,
admitindo que aqui e ali foram cometidos erros e excessos. Talvez dessa forma
ajudassem a limpar a imagem, que se formou dos dirigentes políticos,
desacreditados e apodados de incompetentes, transformando a política, aos olhos
dos seus concidadãos, num mero exercício de distribuição de favores e
administração de interesses.
O Dr. Pedro Silva Pereira,
ex-ministro da Presidência, não tem razão, quando vem a terreiro defender o
governo do seu ex-PM, José Sócrates. Ao boneco de Geppetto, Pinocchio,
crescia-lhe o nariz, quando mentia. Pedro Sila Pereira mentiu, quando no
exercício das suas funções ministeriais não disse aos portugueses qual a
verdadeira situação financeira do país. Não venha agora mostrar-se novamente
angelical, como foi o seu desempenho teatral e o seu discurso, ao longo dos
últimos anos. Para esse peditório já demos. Também esperava algo mais ponderado
de Francisco Assis, que não embarcasse cegamente na defesa do PS e de toda a
direção do Partido. É mau e demonstra falta de independência do pensamento
político, da parte de alguém que vínhamos a seguir e respeitar, como um dos
principais teóricos do partido.
Tem havido nos últimos tempos uma
espécie de histeria coletiva, contra qualquer ação do Presidente da República,
empolando-se tudo o que diz e escreve e exacerbando-se a raiva contra ele. Se
alguma falha houve quando o Presidente se queixou da sua magra reforma, já não
penso que ele se deva submeter - e com ele a dignidade do alto cargo que
desempenha - ao enxovalho de algumas dúzias de adolescentes ranhosos que o
esperavam à porta da Escola António Arroio. Que diriam se o Presidente fosse
brindado com um pacote de farinha e os mais escabrosos insultos? Não, não é por
aí que mostramos a nossa liberdade democrática ou se consegue alterar a forma
de estar e de pensar do Prof. Cavaco Silva.
José Sócrates teve uma época de
intensa luta contra alguns lobbies e interesses instalados; efetuou reformas
importantes, como aliás foi admitido pelo próprio presidente, que chegou a
apelidar o governo de reformista. Mas o autoritarismo, a repetição até á náusea
dos mesmos clichés políticos e o percurso em círculo, levaram-no a um
labirinto, onde se aprisionou e não conseguiu encontrar a saída airosa, ensaiando
uma fuga para a frente, em terreno cada vez mais traiçoeiro e pantanoso e que
nunca quis admitir.
Hoje José Sócrates vive em
França, estudando e aumentando a sua cultura em Filosofia. Voltará um dia à
vida política ativa, esperemos que menos confuso, mais esclarecido e seguro,
menos prepotente, com mais honestidade e simplicidade na sua ligação aos
verdadeiros interesses coletivos do seu país. Só lhe fará bem. Como homem na
sua dimensão humana integral e como político, naquilo que a política tem de
mais nobre.
J.L.F.
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