Trópico de Capricórnio

É a linha geográfica imaginária situada abaixo do Equador. Fica localizada a 23º 26' 27'' de Latitude Sul. Atravessa três continentes, onze países e três grandes oceanos.


quinta-feira, 29 de março de 2012

The shooting of Trayvon Martin




A morte de um adolescente afro-americano na Florida está a gerar um debate sobre o estado das relações raciais na América na era Obama.
A morte do adolescente Trayvon Martin continua a agitar a sociedade norte-americana. O jovem afro-americano, de 17 anos, foi morto na noite de 26 de Fevereiro com uma bala no peito disparada por George Zimmerman, um voluntário que fazia a vigilância nocturna num condomínio privado em Sanford, nos subúrbios de Orlando.
Trayvon acabara de sair de uma loja de conveniência, não estava armado e vestia uma camisola com capuz.
Ontem, o congressista do Partido Democrata Bobby Rush, eleito pelo estado do Illionois desde 1993 e antigo membro do grupo Panteras Negras na década de 1960, encenou um protesto em pleno Congresso, ao discursar vestido com um capuz e óculos escuros. "A discriminação racial por parte das autoridades tem de acabar, sr. presidente", declarou o congressista, afirmando depois que "o facto de alguém usar um capuz não faz dele um vadio".


Trayvon Martin, de 17 anos, foi morto numa noite chuvosa quando saiu de casa para ir a uma loja de conveniência. George Zimmerman, o voluntário encarregado da vigilância nocturna de um condomínio privado em Sanford (um subúrbio de Orlando), suspeitou de Trayvon e alertou a polícia. A polícia disse-lhe que ia enviar um agente e pediu-lhe para não fazer nada. Mas Zimmerman seguiu Trayvon. Zimmerman diz que Trayvon tentou atacá-lo. Zimmerman estava armado, Trayvon não. As únicas coisas que tinha consigo eram o pacote de rebuçados e a lata de chá gelado que comprara na loja de conveniência. Trayvon morreu com uma bala no peito.

Zimmerman, de 28 anos, alegou ter atirado em legítima defesa. A polícia disse não ter encontrado nenhum indício que demonstrasse o contrário e deixou Zimmerman partir sem sequer incriminá-lo. Caso encerrado.

Isto aconteceu há quase um mês, a 26 de Fevereiro. Mas o que começou por ser uma história de crime local adquiriu proporções nacionais na última semana. Trayvon Martin era negro, George Zimmerman é branco. A sensibilidade racial do caso trouxe ao de cima memórias da era dos direitos civis na América. Na quarta-feira, os pais de Trayvon, Tracy Martin e Sybrina Fulton, participaram numa marcha com cerca de mil pessoas em Nova Iorque, muitas delas encapuzadas, numa homenagem a Trayvon, que usava uma camisola com capuz na noite em que foi morto. Objectivo: exigir a investigação do caso. Na quinta-feira à noite, umas 30 mil pessoas concentraram-se em Sanford. Há várias concentrações do género noutras cidades americanas anunciadas no Facebook para os próximos dias. Uma petição lançada pelos pais de Trayvon no siteChange.org tinha até ontem quase um milhão e meio de assinaturas e o número estava a crescer rapidamente.

Anteontem, na sua primeira página, o Washington Post referia-se ao início de um movimento.

O Departamento de Justiça, chefiado pelo afro-americano Eric Holder, decidiu investigar os acontecimentos, incluindo a forma como as autoridades locais actuaram. E ontem o Presidente garantiu que o caso será investigado até às últimas consequências. "Se eu tivesse um filho, ele seria parecido com o Trayvon", disse Obama.

A raça importa
"Isto é mais um exemplo de como a América não vive numa era pós-racial", diz ao PÚBLICO Andra Gillespie, professora de Ciência Política na Emory University, na Georgia (Atlanta), especializada em questões raciais. "Toda a gente pensava que quando o Presidente Obama fosse eleito ia ser o fim do racismo e a questão da raça deixaria de ter importância. Mas a raça importa e custou a vida a este jovem."

Não existem muitos detalhes sobre o que aconteceu na noite de 26 de Fevereiro. George Zimmerman, o homem que disparou sobre Trayvon Martin, nunca falou publicamente sobre o caso. Sabe-se que mudou de casa depois de, alegadamente, ter recebido ameaças de morte. O seu pai, Robert Zimmerman, enviou uma carta ao jornal Orlando Sentinel negando acusações de que George é racista. Ele nota que George é um hispânico "com muitos familiares e amigos negros" e que "seria a última pessoa a discriminar alguém por qualquer razão".


A polícia de Sanford divulgou publicamente a gravação do telefonema que George Zimmerman fez para o 911 nessa noite - e que tem alimentado o debate sobre se a sua actuação foi ou não motivada por questões raciais. No telefonema, Zimmerman descreve "um tipo muito suspeito", que "parece estar a preparar alguma ou estar sob o efeito de drogas". Mas o comportamento de Trayvon não parece  particularmente suspeito ou ameaçador. Zimmerman diz que "está a chover e ele está a andar e a olhar em volta". A certa altura, Zimmerman nota que Trayvon começou a correr. "Você está a segui-lo?", perguntam-lhe do outro lado da linha. Zimmerman responde afirmativamente. "OK, não precisamos que faça isso." Essa é a mesma gravação que a CNN tem dissecado nos últimos dois dias, para tentar determinar se Zimmerman murmurou ou não um particular epíteto racista durante o telefonema. Apesar dos esforços, o resultado não é conclusivo. Mas, para muitos comentadores afro-americanos, o caso tem um ar de familiaridade. "Para qualquer homem negro na América, do milionário ao mecânico, a tragédia de Trayvon Martin é pessoal. Podia ter sido eu ou um dos meus filhos. Podia ter sido qualquer um de nós", escreveu Eugene Robinson, colunista do Washington Post. Touré, um escritor e jornalista que publicou recentemente um livro sobre a América pós-racial, comentou na revista Time: "A masculinidade negra é uma condição potencialmente fatal."

Numa altura em que o racismo é socialmente condenado, o caso Trayvon Martin parece reflectir um factor mais enraizado na cultura popular americana: a percepção de um negro como uma figura ameaçadora. "Os Estados Unidos têm uma história infeliz de discriminação racial, em que os negros são vistos como sendo mais propensos à criminalidade. Por isso, mesmo que tenham um comportamento normal e rotineiro, têm de lidar com o estereótipo de que estão prestes a cometer um crime", diz Andra Gillespie. Charles Blow, um colunista do New York Times, chamou-lhe "o fardo dos rapazes negros". É por isso que alguns pais afro-americanos ensinam os seus filhos adolescentes a não correr em público com algo nas mãos - para que ninguém pense que cometeram um roubo.

O Departamento de Justiça decidiu abrir o seu próprio inquérito em conjunção com o FBI, depois de as críticas dirigidas ao Departamento de Polícia de Sanford terem subido de tom nas últimas semanas. Mas especialistas notam que muito dificilmente o caso poderá ser julgado como um crime federal. A lei federal de 1964 penaliza crimes de ódio motivados por questões raciais, mas o homicídio de Trayvon Martin não parece aplicar-se a nenhum dos cenários previstos, nota ao PÚBLICO Stephen A. Saltzburg, professor na Faculdade de Direito da Universidade de George Washington.

Um tribunal local da Florida também está a analisar o caso - um grand jury deve pronunciar-se a 10 de Abril sobre a eventual abertura de um processo judicial. Saltzburg acredita que a intenção do Departamento de Justiça é, sobretudo, pressionar o estado da Florida. "O Governo federal está a tentar que a Florida faça o que deve fazer. É verdade que o chefe da polícia de Sanford resolveu tirar uma licença sem vencimento hoje? Quer dizer que está a resultar."

O chefe da polícia Bill Lee anunciou quinta-feira que se ia afastar temporariamente das suas funções. Horas depois, o governador da Florida, Rick Scott, anunciou que o procurador estadual encarregado do caso também se tinha retirado e indicou o nome da nova procuradora.
A morte de um adolescente afro-americano na Florida está a gerar um debate sobre o estado das relações raciais na América na era Obama.

In "Publico" 29.03.2012

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