O cenário é de destruição, de pós-catástrofe como num filme do Mad Max ou do Armagedon.
Há uma semana que Londres é uma cidade sitiada. Durante a noite e por longas horas, Oxford Street caiu nas mãos dos amotinados. Carros desventrados pelo fogo, edifícios consumidos pelas chamas, montras partidas, autocarros incendiados, assaltos à luz do dia, lojas saqueadas por homens encapuçados e com o rosto coberto por “keffiyehs” da Intifada, constituem agora o enorme problema com que a polícia metropolitana de Londres (Met), terá que lidar nos próximos tempos.
Para Norte, em Tottenham, um dos bairros mais pobres do Reino Unido, com uma alta taxa de criminalidade e dez mil desempregados a reivindicarem trabalho ou subsídio de desemprego, um ambiente de revolta latente foi-se se acumulando ao longo dos últimos anos, e de repente a violência explode como uma bomba. Bandos de rapazes negros, moradores nas periferias, trocam mensagens pelos “Blackberry : “ If you see a brother SALUTI, if you see a fed (policia), SHOOT, ou pelo “Twitter,” e vão-se juntando até engrossar o novelo.
Os incidentes têm início a 4 de Agosto quando a polícia desenvolve um raid - “Operação Tridente”- no âmbito de investigações às actividades ilegais dentro das comunidades africanas e do Caribe. Mark Duggan era o fundador de um “gang” local, tinha quatro filhos e foi abatido a tiro pela polícia perto de Ferry Lane, em Tottenham. Familiares e amigos acusam a polícia de brutalidade e motivações racistas. A comissão independente de queixas contra a polícia faz uma análise ao sucedido e dá conta de ter havido uma troca de tiros, tendo o rádio pessoal de um agente sido encontrado com uma bala alojada. Cerca de 300 pessoas concentram-se frente à esquadra do bairro exigindo justiça. “Cocktails Molotov” são lançados contra carros patrulha e a polícia a cavalo e polícia de choque são chamadas para tentar dominar a situação. Os distúrbios espalham-se de Norte a Sul de Londres. A revolta atinge durante os dias seguintes os bairros de Croydon, Kilburn, Hackney, Enfield e Walthamstown até Brixton a Sul e Oxford Circus no centro, no coração da cidade. Nos dias seguintes tomará proporções inimagináveis, alastrando para cidades como Bristol, Cambridge, Birmingham, Nothingham e Liverpool. Chegará a West Bromwich, Wolverhampton e Manchester.
Mas esta não é uma revolta com contornos de conflito racial. Antes se assemelha a um claro desafio à autoridade do Estado e contra o esquecimento e ostracismo a que estão votados pelo governo.
Nos anos 80, as revoltas em Tottenham (1985), em Broadwater Farm, Toxteth, Brixton e em Liverpool (1981) também englobaram acusações contra a polícia por parte de imigrantes dos bairros pobres, de origem africana. Mas todos tinham razões de queixa. Durante o consulado da primeira-ministra Margareth Tatcher, uma grande quantidade de minas de carvão foram desactivadas, tendo como consequência que algumas antigas regiões industriais do interior britânico entraram numa profunda depressão, aumentando assustadoramente os níveis de desemprego, exclusão social e segregação nos bairros mais pobres. Assim, desta forma insidiosa, começa a engrossar o caldo em que se geram as tensões raciais e logo de seguida explodem violentos conflitos entre os ingleses empobrecidos ou desempregados e imigrantes estrangeiros, de origem asiática, africana e caribenha. Jornalistas que cobriram ambos os conflitos vêm semelhanças entre as duas épocas. Não há propriamente um racismo visceral, dizem, pois coexistem desta vez, várias etnias tanto de um lado (da polícia) como do outro (dos amotinados). No gigantesco bairro de Tottenham, onde reside o clube "Tottenham Hot Spurs" e que acolhe miúdos de várias raças para formação futebolística, convivem em paz proprietários de mercearias chinesas, de lojas turcas, cabeleireiros e pequenos negócios de produtos africanos. O “Daily Telegraph” diz que estes desordeiros são o produto de uma nação em desmoronamento e de uma classe política que lhes virou as costas. Procuram, como nos anos 80, protestar em prol de uma sociedade mais igualitária. (continua)
José Luis Ferreira
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