Trópico de Capricórnio

É a linha geográfica imaginária situada abaixo do Equador. Fica localizada a 23º 26' 27'' de Latitude Sul. Atravessa três continentes, onze países e três grandes oceanos.


sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Oh! Inglaterra, Inglaterra!





(continuação)

Londres, 13 Maio de 2010.
George Osborn, o ministro das finanças do novo governo inglês de coligação, de David Cameron (Tories), e os liberais democratas de Nick Clegg (Whigs), chega ao seu gabinete e encontra sobre a secretária, junto à agenda diária, um bilhete do seu antecessor:                                                     
-Caro colega, desejo-lhe felicidades para o seu trabalho, mas tenho pena, é que já não há dinheiro!
O novo executivo que irá gerir a Grã-Bretanha nos próximos cinco anos, terá como principal tarefa reduzir a despesa em 6 biliões de libras, o que equivale a um défice gigantesco de 11,1% do PIB.

Numa época de indecisão e incerteza nos mercados e com a economia global em franca desaceleração, repete-se a análise de J. K. Galbraith ao grande crash de 1929: má repartição de rendimentos, um sector de negócios comprometido “num roubo corporativo”, uma fraca estrutura bancária e o desequilíbrio na exportação e importação. Hoje em dia, na Grã-Bretanha é cada vez mais notória e escandalosa a desigualdade e a diferença de oportunidades de vida, de riqueza e salários entre os cidadãos, como alguma vez foi ao longo da sua História. No ano passado, o montante das fortunas das mil pessoas mais ricas do U.K aumentou para 30%, para 333,5 mil milhões de libras. As enormes tensões sociais no âmago da sociedade de consumo rasgam brechas e põem a nu as colossais fissuras. O capitalismo desenfreado e desregulado não conhece limites à sua ambição. Em 2008, para salvar os bancos, o governo de Gordon Brown triplicou o défice e aumentou a dívida pública. Especialistas e analistas políticos afirmam que a coligação liberal conservadora de David Cameron e Nick Clegg rompeu a base do contrato social britânico, que prevê boas universidades públicas, escolas de qualidade e seguro nacional de saúde, havendo mesmo quem afirme, que o tem feito “com uma fúria intensa,” impondo medidas de austeridade gravosas, reduzindo os orçamentos municipais e cortando subsídios a jovens desempregados. As medidas de apoio social e de integração das comunidades imigrantes têm sido reduzidas ao mínimo, o que leva a situações de pobreza extrema e miséria.
Não Há Soluções Fáceis

É fundamental que se desenvolva uma nova mentalidade e um novo paradigma dentro das cabeças das novas gerações de imigrantes africanos que procuram a Europa, na busca legítima de um sonho, na concretização de um objectivo de qualidade de vida, para si e para os seus descendentes. A Europa acusa hoje problemas estruturais muito graves, défices extremos e dívidas monstruosas. A maior parte dos países estão em sub crescimento ou crescimento zero, endividados aos fundos internacionais de financiamento, que cobram juros incomportáveis para comprarem as dívidas soberanas. O perigo de contágio entre as economias da zona euro é um sobressalto constante, dentro dos maiores e mais ricos países que outrora julgávamos intocáveis. A liquidez dos bancos é uma necessidade premente e os governos preferem recapitalizá-los e financiá-los do que investir na educação. As agências de notação financeira, de “rating,” tornaram-se um verdadeiro pesadelo para os governos que ultrapassaram os limites razoáveis da despesa do Estado. O imigrante africano não pode permitir-se mais sonhar com as ajudas e os apoios aos refugiados por parte dos governos europeus. Nenhum país em África está ainda hoje sob domínio imperial ou colonial. Embora haja, ou tem de haver, uma dívida de gratidão por parte das potências outrora ocupantes, pois a sua riqueza e prosperidade foi conseguida a maior parte das vezes à custa de trabalho escravo ou mal remunerado, como construção de linhas férreas, pontes, barragens  para benefício próprio da potência colonial e usurpando riquezas sem que nunca tenha havido a necessária compensação (e poderemos com toda a facilidade dar dezenas de exemplos), já não é possível esperar que um estado estrangeiro seja paternalista, faça estalar os dedos e apareça como por artes mágicas com um emprego de bom nível. A solução passará pela livre iniciativa, mais ou menos apoiada pelo tal Estado benevolente, mas que o vai sendo cada vez menos, e cada vez com menos vontade de intervir na sociedade.

Os imigrantes africanos, que demandam a Europa, normalmente sentem-se no direito de o fazer, umas vezes devido a laços de consanguinidade, outras por vontade de abandonar os seus países onde não conseguem ver a luz ao fundo do túnel para as suas vidas bloqueadas e sem a mais leve perspectiva de futuro. A dívida de gratidão de que falo é um facto e uma ideia que permanece nas mentes dos africanos. E não é totalmente vazia de sentido. Diz respeito à longa permanência dos países europeus nos seus países, como potências administrantes, ou aos  processos de descolonização que impõem a naturalização automática, como p. ex. no caso da França e a Argélia, ou Portugal e a Inglaterra, com inúmeros e complexos acordos, para todos os gostos, no âmbito da Commonwealth. É fatal que se pense em reciprocidade, pois quando damos algo de nosso, torna-se um reflexo natural que possa vir a pedir alguma coisa em troca. Por isso sentem que alguma coisa lhes é devido, como que uma repartição "à posteriori", dos lucros do passado. Mas hoje, de tal maneira as coisas se complicam, que para a Europa é impossível receber vagas de milhares de homens e mulheres que desembarcam na costa de Itália, em Lampedusa, ou são salvos vagando à deriva em barcos improvisados, escapando da morte, vindos da Tunísia, da Líbia, do Egipto, do Sudão, etc., querendo depois dar o pulo para a França, ou para qualquer outro país da Europa.

O Reino Unido da Grã Bretanha, por intermédio de grandes multinacionais como a BP, que multiplicam os seus lucros milhares de vezes ao ano, têm plataformas petrolíferas em quase todos os países produtores de petróleo. Regiões há, como na Nigéria, onde contribuem de forma criminosa para a contaminação do rios, do ambiente e envenenamento de milhares de populares com resíduos tóxicos resultantes de derramamentos e explosões nos oleodutos e nas maquinarias de plataformas acidentadas. Que se saiba ninguém é ressarcido de forma condigna por esses enormes prejuízos.

As grandes companhias de exploração de diamantes na África do Sul, como a DeBeers, no Congo, em Angola, e por essa África fora não fazem, nos países onde se instalam, os devidos pagamentos por séculos de exploração dos seus solos. Os trabalhos forçados foram prática corrente. A Inglaterra e a França têm beneficiado largamente destas situações. A título de exemplo, temos a Companhia das Indias Orientais, na Índia, que após a conquista de Bengala, nas últimas décadas do séc. XIX e na primeira metade do séc. XX , adoptou uma política que apenas visava alcançar o objectivo de contentar os milhares de funcionários gananciosos que para lá se deslocavam com a intenção de fazer fortuna do dia para noite. Há relatos que dizem: "sua única preocupação era extorquir algumas centenas de milhares de libras aos nativos, e retornar para Inglatera o mais cedo possivel, para exibir as fortunas recém-adquiridas. Imensas fortunas foram assim acumuladas em Calcutá, enquanto trinta milhões de seres humanos eram reduzidos à mais negra miséria". O caso do Congo é outro exemplo da maior brutalidade nas relações entre o indigena e o explorador europeu. Em 1878 o rei Leopoldo II da Bélgica envia H. M. Stanley em missão à Africa central. Pela astúcia, Stanley convence os chefes tribais a assinarem "tratados" autorizando o estabelecimento de um império comercial que abarcava cerca de 900 000 milhas quadradas. Procede então a uma exploração impiedosa, obrigando os nativos, sob coacção física, a extrair o latex e a caçar elefantes nos quais extraiam o marfim. Leopoldo da Bélgica confisca  todas as terras que não eram directamente cultivadas pelas comunidades locais, transformando-as em "propriedade governamental". Os nativos ficam desta forma submetidos  a um opressivo sistema fiscal, que incluia impostos pagáveis em borracha e marfim e sob a forma de prestações de trabalho. A partir do sec XX o Congo fornece também diamantes, urânio, cobre, algodão, azeite de coco, etc. Pode-se dizer que o Congo e a Índia foram das mais lucrativas possessões europeias imperialistas, transformando as economias das metrópoles em países prósperos e desenvolvidos. As minas de carvão, de ouro, platina, de ferro, de cobalto, manganês, etc, as plantações de banana, milho, café, algodão e as itermináveis florestas de madeira de alta qualidade, estão nas mãos normalmente de companhias estrangeiras que vêm engrossando os seus lucros ao longo de séculos, sem que se constitua um mecanismo internacional de fiscalização e indemnizações por perdas e danos. Normalmente associadas a ditadores locais corruptos, eternizam-se na exploração dos recursos naturais sem que ninguém lhes peça contas.

Após a II Grande Guerra Mundial, a Alemanha indemnizou com milhões de dólares as vitimas do Holocausto. Não existe memória em África, que alguma vez tenham sido indemnizadas as vítimas da escravatura, esse holocausto esquecido, em relação ao qual a “Shoah” dos judeus foi uma brincadeira de crianças, com todo o respeito pelas vítimas dos carniceiros nazis.
Mas remoer o passado apenas serve para armadilhar ainda mais o presente. Só conhecendo o passado a fundo, podereis não esquecer, mas perdoar e seguir em frente com os olhos e os ouvidos limpos e transparentes, porque lavados e purificados pelo filtro do conhecimento.

Citar Martin Luther King e o seu “Sermão da Montanha,” serve apenas para confundir os menos esclarecidos, pois na época do Dr. King, a comunidade negra sofria um ultraje tremendo, com o Klu Klux Klan activo e a segregação racial e o apartheid como um dispositivo legalizado e instituído pelo Estado americano.
Os imigrantes africanos recentes, ou os seus filhos, nascidos ou não na Europa, terão que desenvolver formas de subsistência material dentro do tecido social, e mais que isso, deverão procurar com toda a honestidade, de uma forma limpa, sem preconceitos, sem tabus nem ideias feitas, fazer um esforço genuíno de integração, dentro dos países de acolhimento. Não virá mal nenhum ao mundo que se procure aprender e respeitar a História e a língua do país em que decidimos viver. Uma procura diária de integração e assimilação, será o “leitmotiv” que levará a uma maior compreensão mútua e convívio pacífico. Aceitar as ajudas com uma mão e com a outra lançar uma pedra, não penso que seja a forma mais correcta de viver.

O que aconteceu em Inglaterra nos últimos dias é um mimetismo que se inspira na primavera árabe. Mas ao contrário desta, e basta isto para que tudo mude, em Inglaterra pode-se contestar e agir contra o governo de forma correcta e civilizada. Não se corre o perigo de sofrer prisões arbitrárias e tortura da parte das autoridades que se eternizam no poder em monarquias de criação divina. A democracia inglesa é das mais antigas do mundo e prevê mecanismos que podem ser usados por grupos de reivindicação e contestatários. Todas as faculdades da democracia deverão ser esgotadas. Eleição de líderes credíveis das comunidades, exigência de deputados e representantes das minorias étnicas nas câmaras baixa e alta do Parlamento inglês, criação de jornais com dinheiro e donativos da comunidade, publicação de estudos que comprovem a desafectação de verbas por parte do governo em jornais e revistas de grande circulação, formação de associações culturais, e de debate político, constituição de grupos de manifestantes e organização de manifestações ou marchas pacíficas à porta do Parlamento, artigos e “posts” no Facebook e nos Blogs, mensagens no Twitter, tudo isso serão formas legítimas de pressão aos governantes e então veremos como talvez olhem o imigrante africano de uma outra forma, não apenas da parte do governo, mas também da sociedade civil. As grandes empresas e multinacionais também poderão ser captadas e chamadas a participar, de uma forma hábil e inteligente no esforço de integração dos novos imigrantes.

O imigrante africano deverá tomar estes dias do trriveis do "Verão Inglês", como uma lição para o futuro. Não há soluções fáceis nem conclusões definitivas, nem a Democracia ocidental é perfeita. Mas é sua obrigação adquirir uma nova mentalidade e uma outra matriz de pensamento condizente com a vertente “on the economics” de um mundo ultra competitivo, desenfreadamente neoliberal e agressivo. Esta deverá ser a sua única preocupação.

Se quisermos adoptar como lema o sonho de Martin Luther King no seu célebre “Sermão da Montanha,” em Memphis, Tenessee, ou junto à margens do Rio Potomac, em Washington DC, frente ao majestoso Memorial ao Presidente Abraham Lincoln no seu fabuloso discurso “I Have a Dream”, então deveremos repetir com ele:

"Teremos dias difíceis pela frente, mas isso não importa para mim agora, porque eu subi ao topo da montanha e lá de cima vi a terra prometida”… (Martin Luther King, Abril de 1968)

José Luis Ferreira

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