Trópico de Capricórnio

É a linha geográfica imaginária situada abaixo do Equador. Fica localizada a 23º 26' 27'' de Latitude Sul. Atravessa três continentes, onze países e três grandes oceanos.


sábado, 13 de agosto de 2011

Há gala na minha freguesia



É sábado e há feira na minha freguesia. Logo pela manhã cedo, os vendedores começam a juntar-se e a montar as suas tendas e bancadas. A maior parte é cigana que há muitas décadas vive em Portugal. Alguns nasceram aqui e tentam conciliar os seus genes nómadas com as obrigações e deveres dos cidadãos nacionais. Convivência por vezes difícil, pois misturam-se vários povos, etnias e clãs. Vieram da Índia, nos primórdios do séc. XI e as primeiras migrações para o continente europeu ocorrem após as invasões do sultão afegão Mahmud, às regiões do norte do sub continente indiano, onde aprisiona várias tribos e os vem vender como escravos na Europa, cavalgando através do planalto iraniano, por volta de 1050. Vivem da venda dos excedentes das fábricas de roupas, sapatos e vestidos fora de linha, artigos retirados do mercado ou contrafeitos, pequenas e insignificantes falsificações, lençóis, cobertores, toalhas, relógios, quinquilharia diversa, pulseiras, carteiras, anéis, óculos de sol, que nos garantem são da melhor qualidade internacional, directamente das grandes fábricas de Milão, Genéve e Paris.

Dizem-me que a contrafacção representa blá blá bla, não sei quantos milhões de prejuízo, blá blá blá à economia, blá, blá ,blá.
Mas hoje é sábado e há uma alegria contagiante na minha freguesia. É dia de comprar produtos mais baratos, porque a vida não está fácil e lado a lado com as roupas, as pulseiras e os relógios também temos os vendedores ambulantes de alimentação, dos produtos agrícolas, donos de quintas, agricultores, que trazem os familiares, a tia, a avó, a sobrinha, o irmão, para ajudar a vender os seus produtos – a batata, a cebola, o azeite, o vinho, os alhos, as couves e a fruta e aqui chegam ao sábado para escoar os géneros.

Compro meia dúzia de grossas batatas, verdadeiramente campestres, com uma cor saudável, do género que já não se vendem nos hipermercados, normalizadas pela UE, fluorescentes e doentias e alguma fruta de que gosto.

A feira está cheia de populares em chinelas, bermudas ou calções, que mostram grossas varizes, com chapéus esquisitos e t-shirts coloridas, movendo-se entre as barracas que cercam as bancadas, à sombra dos toldos de venda. É um enorme espaço ao ar livre, onde as mulheres de peitos descaídos sonham com mamas de silicone e convivem com indianos, mais calados, reservados e intrigantes, em roulotes, o Kamal que vende e conserta telemóveis em segunda mão, e brasileiros vivaços e malandrecos, de boné com a pala para trás e sorridentes, que vendem caipirinha, pastéis salgados e feijoada, sempre alegres e bem dispostos, e junto deles, as mestiças que vão abanando as ancas e acariciando a pele do companheiro, com gestos voluptuosos ao som dum chorinho, dum forró, ou da musica sertaneja (ai, ai, ai, aquilo de que o Ronaldinho Gaúcho e o Helton tanto gostam e eu também), desiludidos com Portugal e com saudades do morro; há mulheres africanas de farto traseiro a assarem milho e batata doce, para venda, transpirando junto aos fogões a carvão, ao som da kizomba, e ucranianos e romenos de pele clara e loiros– os povos do Leste. Todos procuram ganhar algum dinheiro extra, e aqui ninguém fala em fiscalizações, impostos, horários de abertura, alvarás…

Mas o que eu procuro mesmo, é o som que durante esta noite me martelou os ouvidos. Procuro e sinto a falta do pregão típico dos ciganos. É como música para os meus ouvidos. Se for preciso visto fato de gala para os ouvir. Ouvem-se ao longe as suas vozes estridentes, com o seu sotaque romani característico. Encontramos verdadeiras pérolas, quando falam usando das melhores técnicas de vendas, à altura dos melhores camelôs do Rio de Janeiro. Encontramos frases e ladainhas do mais típico sabor rural, do género:

-Ai que a cigana hoje está maluca, quer dar tudo!
-Ó menina olhe estas malas da Gucci!
-Ó menino olhe estas calças Levi´s verdadeiras, são as mesmas da televisão!
-Olhe para estas cuecas de categoria, são do Cristiano Ronaldo e do BecKham, são mesmo Armani!
-Ai que eu perco a cabeça, mas vendo-lhe estas calças por metade do preço só para você não ir dizer à sua amiga que a cigana enganou-a!

Chego a uma conclusão: país que é país e que se presa, não prescinde dos seus ciganos. Que cidadão não faz a sua falsificaçãozinha e a pequena falcatrua para fugir aos impostos? Como viveria eu sem estes pregões? Que país pode ter sequer a ambição de respirar sem este oxigénio fundamental?

Já tinha saudades de uma boa manhã de sábado na minha freguesia, junto aos meus amigos ciganos. Como é possível exigir alguma coisa a esta gente tão simpática e genuína, que se adapte ao nosso modo de vida, sempre fechados em apartamentos, frente ao computador, como eu, escrevendo pela noite adentro, e em centros comerciais? Sinceramente que não percebo… Os meus amigos ciganos transformaram-me o dia cinzento e soturno, num dia alegre, bem-disposto e optimista!

José Luis Ferreira




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