«Só há um tipo de unidade possivel num mundo tão diverso quanto o nosso, é a unidade do método em vez da do objectivo; a unidade da experiência disciplinada »
Rupert Murdoch é um gangster à velha maneira de Chicago dos anos vinte, disfarçado de adepto de baseball, com o boné dos New York Giants e uma gravata sobre o colarinho branco mostrando as cores e o emblema da Universidade de Columbia.
É um sobrevivente das grandes famílias da “Cosa Nostra” da segunda e terceira década do séc. XX, com métodos sofisticados dos yuppies dos anos 80/90. Já não cobra protecção aos proprietários das lojas, dos talhos, dos armazéns, já não divide nem disputa a cidade por territórios sob o seu domínio, ou zonas privadas de influência como o West e o East Side New York, West Brooklin, New Jersey, ou Long Island para os seus negócios obscuros.
Abandonou a” machine gun”, a metralhadora Thompson de tambor rotativo e a Winchester de cano curto, trocou o Cadillac, o Ford Sedan preto e o chapéu Stetson sinistro, sobre os olhos, pela base de dados dos super servidores do credível “Wall Street Journal”, pelas câmaras de última geração da “Fox News”, ou pelas máquinas ultra rápidas de impressão do “News of the World,”- o seu veículo privilegiado de espionagem – a cobertura perfeita, que lhe permitiu penetrar no mundo duvidoso do “show business,” dos políticos de topo e das personalidades internacionais, para mais facilmente satisfazer os seus apetites de abutre transcontinental.
Os seus principais assessores na hierarquia da “News Corporation,” funcionam como “capos”, às ordens desse “Godfather” que é Rupert Murdoch. Através dos métodos usados pelo NoW, como a escuta e intercepção de chamadas telefónicas (“hacking”), Rebekah Brooks, directora do NoW, Neil Wallis, o ex-director executivo e Andy Coulson também director do mesmo jornal e antigo assessor de imprensa do Primeiro-Ministro inglês James Cameron, seguiram e escutaram com os seus acólitos, conversas do foro íntimo e intervieram na vida privada de centenas de figuras públicas, infiltrando-se mesmo no gabinete do P. M. da Grã-Bretanha. Apagaram mensagens do telemóvel de uma rapariga de 13 anos desaparecida, Milly Dowler, que depois foi encontrada morta por um serial killer, com a finalidade de obter espaço na memória do microchip, prejudicando dessa forma a investigação de homicídio.
Gordon Brown ex-PM inglês foi alvo também de escutas, na altura em que desempenhava as funções de ministro das finanças de Tony Blair, sendo Rebekah Brooks acusada pelo jornal “Guardian” e pela BBC de chantagear a família Brown, através dos jornais “Sun” e “Sunday Times,” também propriedade do magnata Murdoch e de ter acedido a dados confidenciais da conta bancária e ao relatório médico do seu filho que se suspeitava sofria de uma doença hereditária grave.
Com o encobrimento e participação de alguns elementos de topo da Scotland Yard, nas pessoas de Sir Paul Stephenson e John Yates, ambos comissários da policia municipal de Londres e havendo sinais destes terem sido corrompidos, facto que os levou a pedirem a demissão, conseguiram durante anos a fio saber e obter notícias valiosas de inúmeras vidas privadas, tornando a todos vulneráveis e sujeitos aos seus desígnios de domínio total.
Dois funcionários da Scotland Yard já foram indiciados nas investigações às escutas telefónicas pelo “NoW”. Soube-se pelo “Guardian”, que foram descobertos e-mails que provam que os policias - responsáveis pela segurança da família real – terão vendido ao jornal uma agenda de contactos pessoais da família real entre eles da Rainha Isabel II e do Príncipe Carlos, por mil libras (cerca de 1135 euros). De acordo com os registos, um executivo da “News Corporation” terá combinado o suborno com um jornalista do tablóide.
Rupert Murdoch nasceu na Austrália como poderia ter nascido em Boston, na Irlanda ou na Sicília e daqui ter emigrado para América para construir o seu império. Herdou um pequeno negócio de família em Adelaide e transformou-o num gigantesco conglomerado da imprensa mundial, tornando-se o maior “mogul” da mídia internacional.
Se eu fosse realizador de cinema dos anos cinquenta chamaria Mickey Rooney para interpretar a personagem deste “typhoon.” Mickey Rooney saberia vestir a pele deste homem, como alguém que vive suspenso acima de tudo e todos, pairando nessa nuvem entre o crime declarado e o mundo semi-legalizado dos magnatas dos EUA.
Uma pequena noticia com dez linhas apenas, numa coluna e num lugar destacado de um tablóide inglês, ou no “New York Post,”(órgão de imprensa também do império Murdoch), chega para que uma multinacional veja as suas acções serem desvalorizadas na Bolsa e com isto afectar centenas de postos de trabalho, uma licença de construção de um arranha céus em Manhattan, ou em Tóquio, no valor de milhões de dólares pode ser avalizada ou não, um juiz ou um júri podem sentir-se compelidos a mudar o sentido de voto num julgamento mediático, um político, um gestor, ou um governador de estado podem sentir-se pressionados e chantageados para se demitirem, por motivos fúteis, um adultério ou um comportamento menos lícito podem transformar-se num acontecimento a nível global.
Rupert Murdock é um fóssil de outra época já em vias de extinção. No entanto, comanda um império dos “mass media” difícil de derrubar e que pode ainda estar envolvido em mais casos desta vez nos EUA, pois é também acusado de escutar familiares das vitimas do 11 de Setembro e novamente em Londres, em escutas aos parentes das vítimas dos atentados de Londres.
Alexis de Tocquevile escreveu que os jornais eram uma necessidade numa sociedade democrática: «Devíamos menosprezar a sua importância se acreditássemos que apenas garantiam liberdade; eles mantêm a civilização» (1969).
Na grande tradição do jornalismo americano, encontramos o “New York Journal” de William Randolph Hearst ou o “New York World” de Joseph Pulitzer. O “Washington Post” de Bob Woodward e Carl Bernstein demonstraram-nos que o mundo do jornalismo de investigação pode não ser este lodaçal em que os gangsters do “News of the World” se movem.
Walter Lippman queria em 1920, promover a dignidade profissional dos jornalistas e proporcionar-lhes um treino «em que o ideal do testemunho objectivo é cardinal». (Lippman, 1920).
É necessário que as sociedades avançadas procurem mecanismos eficazes de regulação da imprensa livre para que o vale tudo não seja o seu modo de actuação principal. A dedicação dos jornalistas à justiça e à verdade, seguindo regras de objectividade e lealdade para com os leitores terá que ser a trave mestra da linha editorial e permitirá manter um controlo real sobre os repórteres.
José Luis Ferreira
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