Camila regressou das férias. Durante duas semanas passeou pela fronteira Espanha/França, esteve dois dias em Andorra, adorou ver as cidades e vilas fronteiriças, com o seu comércio sempre muito activo, observou as montras de roupa para mulher, viu como os machos espanhóis são atrevidos, e como os homens franceses vivem mergulhados nas últimas tendências da moda, olhou para os hábitos diferentes nessas paragens, comeu petiscos extravagantes, experimentou a cerveja dos dois lados da fronteira e viu de perto a grande cordilheira dos Pirinéus.
Camila respira agora outro ar, o seu cabelo negro está mais brilhante, a sua boca mais carnuda, a pele morena mais bronzeada, pintada de ouro, pois acaba de receber directamente os raios ultra violeta das montanhas.É uma rapariga típica de Lisboa. A ela eu chamo, “good stuff,” e garanto que tenho razão. Aos 26 anos, conhece as melhores diversões da cidade, percorreu já o Algarve quase de lés a lés, em acampamentos de Verão, em excursões de trabalho, entre amigos, ou em festas de arromba pela madrugada adentro. Conhece o Gerês, a Norte, passeou com os pais pela magnífica serra e quando voltou dizia que nunca mais veria coisa mais bonita na vida. Esteve no Minho há alguns anos, em Vila Nova de Cerveira e adorou a restauração, os lençóis limpos da pousada onde pernoitou, o céu límpido e as nuvens transparentes e luminosas.
Já passeou por duas grandes capitais europeias e não tem grande interesse por agora em ir aos States. Camila é assim; hoje veste uma calça castanha que lhe molda as formas sem a tornar provocante, largas nos tornozelos, com uma dobra de dois dedos de largura, “comme il faut”, e uma camisa resplandecente, branca, com imensos botões minúsculos, com a etiqueta do fabricante virada ao contrário, junto a um bico do seio. Calça umas sandálias escolhidas a dedo, de tiras consistentes, mas que lhe dão ao pé maleabilidade total de movimentos. Hoje soltou o cabelo, mas já a vi com um rabo-de-cavalo, à índia americana, por cima da cascata dos seus cabelos soltos e livres.
Companheira de uma boa pândega, os seus sentidos anseiam por um fim-de-semana longe do trabalho, onde, funcionária rigorosa e aplicada como é, já recebeu dois louvores em anos seguidos. Camila é assim e por isso nutro por ela um sentimento especial, de grande afectividade e pelo meu peito passa um frémito de orgulho, por me reconhecer seu amigo. Estende-me a mão, na extremidade de um longo braço, imediatamente quando me vê, aperta com calor e o seu sorriso expande-se, largo e prazenteiro. É uma mulher que pergunta, há nela uma ânsia de saber, o saber da vida, de experiência feito; ao primeiro sinal instintivo que ouviu qualquer coisa que não sabe, Camila debruça-se sobre o computador, à cata no “Google” do significado daquilo que se disse. Uma nova cidade, um novo país, um novo costureiro em Paris, turbulência na Síria, o gigantesco défice dos EUA, uma nova actriz em Hollywood, Angelina Jolie no Quénia, Camila vai procurar, nada lhe pode passar ao lado. É como se ela policiasse o mundo e nada poderá ser feito sem o seu conhecimento e participação.
Vejo-a a fumar os seus cigarrinhos enrolados à mão, para poupar, sorvendo o ar com gestos comedidos e calmos, olhos divertidos e saltitantes, vivos e curiosos como dois berlindes de azeviche, rasgados nos cantos, o seu nariz forte e destacado, que me leva a perguntar se não haverá genes negróides no sangue que lhe corre nas veias.
Camila tem mais uns dias de férias, dentro de duas semanas e hei-de tentar saber para onde vai, sou curioso e tudo o que ela faz me interessa, é realmente um “case study”, um verdadeiro exemplar, modelo dos tempos modernos. Para os meus olhos cansados, gastos e de óculos na ponta do nariz, o ar refrescante de Camila é o bálsamo para os meus dias sem sentido.
José Luis Ferreira
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