Trópico de Capricórnio
É a linha geográfica imaginária situada abaixo do Equador. Fica localizada a 23º 26' 27'' de Latitude Sul. Atravessa três continentes, onze países e três grandes oceanos.
quinta-feira, 14 de julho de 2011
Deixa andar, que isso passa
Raras são as vezes em que nos é oferecido um espectáculo tão grandioso, de uma forma tão serena e desinteressada. O sol, no ocaso, era um olho gigante, como o de um ciclope, translúcido, de um cristalino prateado, meio coberto por pesadas pálpebras de nuvens cinzentas, raiadas de veios de ouro, que se arrastavam lentamente, sonolentas, para o horizonte distante, para sul, como cavaleiros montados em preguiçosos camelos de caravanas berberes, nas velhas rotas do tráfico de escravos.
Para Norte, a Cordilheira Ibérica, e os seculares reinos de Aragão e Castela, incrustavam-se nas caprichosas formações de nuvens e cumulus nimbus, onde poderíamos espreitar por vezes seculares castelos e palácios das cortes de Leão e Navarra.
Pequenos e abafados trovões, rasgavam os céus com gargalhadas e conversas banais. A cidade de Lisboa calma e indiferente, expectante, guiava os seus habitantes, e todos juntos seguiam o seu caminho, num saber de experiência feito no caldeamento da História.
O proletariado português apinhava-se nos transportes públicos, desesperava com as greves, abria a boca de espanto com as medidas cada vez mais gravosas, com a desfaçatez e a falta de vergonha dos políticos. O PM em gestão, sorria cada vez mais e ostentava um ar desafiante de D. Juan da Madragoa. Arrastara o país para uma situação surreal, de pobreza e endividamento extremo e queria agora, voltar a ser eleito nas próximas eleições.
Mas havia um enigma que todos calavam embora quisessem saber:
Como era possível que o ex Governador do Banco de Portugal, que veio acompanhando todo o processo de descalabro das Finanças Publicas, com informação privilegiada, com previsões mensais de algum crescimento, ou por vezes nenhum, ao longo de vários anos, entidade independente, autónoma e perpétua, não tivesse tido a coragem, em vez nenhuma, de avisar do caminho que levávamos, para as águas turvas em que hoje nadamos?
Tal figura, pacífica até não mais, suave, de uma discrição notável, cuidadoso e parcimonioso no falar, de óculos grossos e enterrados até às orelhas, sempre carregado de documentos, e que ignorou todos os avisos, sintomas e sinais sobre o BPN e o BPP, hoje é a segunda figura no Banco Central Europeu, ao lado de J. C. Trichet.
Mas a vida seguia o seu curso e enquanto houvesse telenovelas brasileiras ou portuguesas, estava tudo bem, para que havíamos de nos incomodar? Deixa andar!
Diziam os portugueses de si para si:
- Sacudimos o jugo espanhol em 1640, sofremos um terramoto em 1755, suportamos uma bancarrota no princípio do século, passamos por duas intervenções do FMI nos últimos trinta anos e estes também hão-de passar. Quando eles se forem embora nós ainda cá estaremos!
Deixa andar, pode ser que não seja nada!
Queluz, 8 de Maio de 2011
José Luis Ferreira
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