Trópico de Capricórnio

É a linha geográfica imaginária situada abaixo do Equador. Fica localizada a 23º 26' 27'' de Latitude Sul. Atravessa três continentes, onze países e três grandes oceanos.


quinta-feira, 14 de julho de 2011

A Cor da Minha Cútis

Há muitos, muitos anos, tantos que já se perdem na memória dos tempos, era eu um menino em idade escolar, vigorava em Angola uma disposição legal impondo que, em quase todos os documentos pessoais, surgisse um pequeno espaço em que deveríamos inscrever a nossa raça. Era no cartão escolar, na caderneta do liceu e no Bilhete de Identidade. Tínhamos, então, a fotografia habitual, com o busto ligeiramente de perfil e nunca de frente, e depois, como se não bastasse e todos fossemos cegos, e não percebêssemos o que éramos a partir da fotografia, lá tínhamos que colocar no espacinho em branco a dita raça de cada um. Era um trabalho penoso e estranho, arrepiante para uma criança e cujo significado e alcance eu nunca consegui perceber.

Tal hábito foi-se perdendo aos poucos, tornou-se obsoleto, extinguiu-se por caducidade e hoje é raro, muito raro o documento em que seja obrigatório agregar a ascendência genética. Apenas para actos clínicos, e em casos muito específicos, tal exigência ainda é formulada, hoje, ao cidadão português, e julgo que em nenhum país do mundo se pratica este uso. Talvez nas ditaduras fascistas da Coreia do Norte ou do Irão, o Estado adopte essa regra. Mesmo assim, duvido bastante.

As redes sociais abundam com pedidos de perfis, onde normalmente há apenas espaço para o credo religioso e de modo facultativo, isto é, poderemos ou não optar pela divulgação da nossa fé.

 No Facebook, na construção do nosso perfil, a cor da pele é absolutamente ignorada. E é de leitura fácil e evidente, quando alguém de motu próprio, intencionalmente, assinala e vinca essa particularidade.

 Portanto, depreende-se que a raça deixou de ser factor importante na avaliação das características e personalidade de cada um. E uma vez que normalmente colocamos a mais bonita foto do nosso “portfólio”, torna-se completamente redundante, despiciendo e irrelevante, que se faça uma chamada de atenção para esse facto.

 Caio de cu quando vejo alguém usar este estratagema na rede social e sem que lhe seja pedido.

Cito: “OLHOS VERDES, CUTIS BRANCA”
Caio duas vezes quando constato que o artista é brasileiro.
É caso para dizer: é do telekuteku!

A raça e a cor da nossa pele nunca podem servir de factor para nos enaltecermos, ou para tentarmos tirar dividendos e vantagens acrescidas pelo facto de nascermos mais pretos ou mais albinos, amarelos, indianos ou caucasianos. Porque é uma variável aleatória do nosso nascimento, não é nada que tenhamos conquistado com esforço próprio, não é fruto do nosso trabalho e do nosso empenho, ou ainda do nosso carácter, se quiserem. Querer valorizar essa característica epidérmica, além de um acto cobarde, demonstra o mais baixo estofo moral, é um gesto abjecto e desprezível e que coloca quem o faz ao nível das bestas nazis, ou do apartheid. Foi durante o regime nazi, na Alemanha, que mais se glorificou a superioridade racial e os médicos de Josef Mengele experimentaram clarear os olhos da raça ariana, injectando corantes nas pupilas e na íris das crianças.

 O Brasil é o país do multiculturalismo e da multirracialidade. Os seus maiores poetas, como Vinícius, João Gilberto, Jorge Amado, Chico Buarque, Gilberto Gil, todos cantaram a mulata e o negro brasileiros como símbolos maiores desse país mestiço, dessa mistura entre o índio, o europeu e o preto de África. O seu maior símbolo internacional é Pelé. Lula da Silva entregou o cargo de ministro da cultura a outro preto, Gilberto Gil.

 Custa-me, por isso, ver um cidadão brasileiro, neste ano de 2011, usar esta linguagem, querer voltar aos costumes anacrónicos da década de 50/60 em África, introduzidos pela nossa comum potência colonial. Quem o faz, reduz-se imediatamente para 20 centímetros de altura, torna-se de estatura anã e mais não faz do que sujar o legado de Jorge Amado e João Gilberto.

 Queluz, 17 de Maio de 2011
José Luís Ferreira

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