Trópico de Capricórnio

É a linha geográfica imaginária situada abaixo do Equador. Fica localizada a 23º 26' 27'' de Latitude Sul. Atravessa três continentes, onze países e três grandes oceanos.


sábado, 15 de junho de 2013

JORNALISMO E FUNDAMENTALISMO


Conheço um jornalista que, aconselhado pela família, foi ao psiquiatra, porque pressentiam que algo não andava bem com a sua personalidade.
Logo na primeira consulta, o psicanalista fez-lhe o teste de Rorschach e começou por mostrar-lhe as manchas e os borrões de tinta simétricos. A resposta era invariavelmente a mesma, e resumia-se a isto:
Um assaltante com a mascarilha do Zorro, dois ladrões com os passa-montanhas enfiados na cabeça, dois bandidos a mexerem em dinheiro roubado, dois corruptos a guardarem dinheiro num cofre secreto, dois corruptos a fugirem de avião, dois executivos de Angola a querer investir dinheiro da corrupção numa empresa portuguesa, dois governantes de Angola a escaparem-se através da nuvem, e por aí fora.

Como livre-pensador que sou, não quero fazer a defesa do regime que comanda os destinos de Angola. Não estou sujeito a voto de lealdade a partido político algum, nem tão pouco sigo escrupulosamente nenhuma corrente ideológica. Leio e oiço a imprensa internacional, os adversários políticos e os inimigos do governo angolano. Não há como negar as evidências. Há demasiada corrupção em Angola.
Acredito que o vice-presidente seja sócio fundador de uma empresa que por sua vez é associada da Sonangol, a estatal petrolífera angolana, e que tira benefícios para si próprio dessa posição privilegiada. Também gostaria de saber por que motivo é que o filho do Presidente é quem gere o fundo soberano de Angola, avaliado em cerca de US$ 5 biliões de dólares. Tenho toda a curiosidade em saber se realmente ainda há presos políticos em Angola.

Todas essas questões me assaltam e povoam os meus anseios e as minhas angústias existencialistas. Tenho para mim, que Angola nunca será o modelo acabado de nação com uma economia exemplar, livre da corrupção, avançando em saltos qualitativos para o futuro, num crescimento harmonioso, e, como dizia a propaganda comunista de outros tempos, em direção a uma sociedade sem classes, em que o alvorecer de um novo dia, verá nascer o homem novo, liberto dos vícios e dos demónios do capitalismo. Pela tendência geral do mundo, que se encaminha para a generalização de políticas individualistas, mas acima de tudo pelo atraso inerente à condição secular do próprio continente.

Não me custa admitir todas estas situações, porque não vivo atascado nem aprisionado a um pensamento único e inelutável.
Mas sejamos francos e honestos; haverá neste planeta alguém que acredite neste postulado como objetivo possível e atingível num outro país qualquer do globo?

Custa-me bastante admitir, e é com mágoa profunda que noto, que quando se fala de Angola, entre certas franjas da elite intelectual portuguesa, que este é o ambiente generalizado nesse país. Que Angola é um antro de ladrões e bandidos, uma cleptocracia sem remédio, ancorada algures na costa ocidental de África, governada por um bando de corruptos, bandalhos e delapidadores dos bens comuns. O aspeto hilariante e o lado cretino desta situação é que comparam o melhor das instituições europeias com o pior de África. Julgamentos iguais partindo de premissas diferentes.

A atual esquerda portuguesa é quem fica em dívida — pela sua falta de visão estratégica, pelo seu deslocamento e afastamento da realidade do terreno, pelo idealismo bacoco, e pela reiterada atitude de arauto exclusivo da integridade e da honestidade — para com os esforços de Angola, para sair do estado miserável em que a descolonização deixou os nossos países.

A falta de respeito e o tratamento indigno que certos indivíduos dessa esquerda — que se escudam na carteira profissional de burocratas do jornalismo, e que resumem as suas vidas sedentárias na provocação e no desafio estéreis — dispensam a um líder africano septuagenário, eleito pela maioria do seu povo e presidente de um país amigo, é do mais abjeto e ultrajante que se possa imaginar. No tribunal desses fundamentalistas, oblitera-se um passado de exílio e de luta, e apaga-se, como qualquer historiador às ordens da ditadura soviética, todos os fatos históricos que fizeram com que esse país fosse o que hoje é, e tenha podido, esquecendo as vicissitudes da História, vir em ajuda dos velhos amigos do passado.

Para analisarmos globalmente o desempenho de um país e de um governo, não é possível fazê-lo sendo parciais, pegar nalguns casos de abuso de poder, avaliar negativamente por esse lado, e arrasar, unicamente pelos aspetos menos favoráveis dessa "performance." Não basta consultar à última hora o "Maka Angola" do Rafael Marques, que faz o seu trabalho genuíno de denúncia e oposição ao governo de Angola, e trazer para a ribalta da televisão e em bruto, sem confirmação, os fatos por ele constatados.
Da mesma forma que, não sou capaz de avaliar a presidência de Lula da Silva apenas pelas iniquidades dos subornos de alguns deputados do caso "mensalão." De igual modo, só a oposição avalia os anos da administração Sócrates, unicamente pelo pedido de ajuda ao FMI, para dar exemplos de como não é honesto seguirmos essa prática.

 Será que não há nada feito em Angola nestes anos de reconstrução nacional?

É o próprio Presidente José Eduardo dos Santos, quem enumera as realizações dos seus governos consecutivos, nestes últimos dez anos, ao longo da entrevista de Henrique Cymerman:
— Fizemos o reassentamento de quatro milhões de pessoas deslocadas, garantindo condições para a sua alimentação, cessando o apoio do Banco Alimentar Mundial.
Começou-se o processo de consolidação e reforço das instituições do Estado. O País estava destruído e exangue; as províncias estavam constituídas em ilhas, porque as vias rodoviárias e ferroviárias estavam quase todas destruídas, danificadas, ou minadas.
Angola era um dos países mais minados quando terminou a guerra, em 2002. Dizia-se que só era comparada ao Cambodja neste domínio, falava-se até em mais de seis milhões de minas espalhadas pelo território nacional e evidentemente que durante a guerra e até depois da guerra, tivemos várias vítimas de minas.
O orçamento do 1º programa de desminagem era da ordem dos 100 milhões de dólares, e assim sucessivamente, a partir de 2003/2004 fomos executando programas de desminagem.
Nesta década foram realizadas obras que permitiram reconstruir a rede fundamental de estradas e parte da rede secundária. A rede do caminho-de-ferro, com mais de dois mil quilómetros de extensão, as pontes, as centrais de produção de energia elétrica e água.
Lançamos um amplo programa de educação e formação de quadros, reabilitando escolas, institutos e reconstruindo estabelecimentos de ensino, em todos os níveis. O país cresceu imenso, do ponto de vista material e espiritual, e agora está preparado para encarar novos desafios.

A pergunta de Cymerman:
— Sr. Presidente, Angola passou por várias guerras civis, terríveis, muito duras,  imagino, qual é a forma de lidar com este desafio?
— É evidente que a reconciliação nacional pressupõe, em primeiro lugar, a perceção de que é preciso colocar os interesses gerais — o interesse da nação — acima de qualquer interesse particular, e guiarmo-nos pelos valores fundamentais da reconciliação, da paz e da procura da defesa da vida, como um bem supremo; por outro lado, foi necessário recorrer ao princípio da aplicação equilibrada do esforço de guerra com a negociação, a negociação política, mas uma negociação que tivesse em conta o interesse de todas as partes, e que procurasse uma solução de equilíbrio, e nalguns casos consensual para os problemas nacionais.
— Mas como é que se faz isso na prática?
— Na prática faz-se dialogando, compreendendo a vontade dos outros, e procurando levá-los para a razão, para soluções racionais, que acabem por trazer conforto a todos, e que acabem por criar um quadro em que todos possam encontrar a realização pessoal, a realização dos seus sonhos individuais, mas também dentro de um contexto mais geral, no contexto do sonho de todo o povo angolano.

A omissão sistemática de informação, a parcialidade da crítica na formulação de pareceres acerca das condições, dos elementos e dos fatores que empurram e condicionam os países para situações de dependência e de enquistamento social, são esquecidas, ou apresentadas como resultado da cupidez e da ambição desmedida dos governantes de Angola.
A "phobia" contra esse país chega a roçar o grotesco. Há jornalistas que perderam a capacidade de contar. Quarenta anos de uma cruel guerra acesa, do tempo pós-independência, onde os cães desapareceram das ruas para aparecer no prato dos habitantes, são somados como anos em que Angola deveria já ter sido catapultada para o desenvolvimento. Perderam a memória. Os dez anos de paz a partir dos quais, e em que verdadeiramente deveria começar a contagem são esquecidos e engolidos no vórtice da psicose. Estão possuídos de uma personalidade maníaca persecutória, e não conseguem ver nenhuma realização bem-intencionada e que esteja a dar frutos para o bem desse país.

" Sim, houve a guerra civil. Mas ela já terminou há algum tempo. Angola é um dos países com mais recursos em África. Teve um crescimento impressionante e dinheiro é coisa que não lhe falta. Apesar de produzir 1,7 milhões de barris de petróleo por dia, estava, em 2010, em 146º lugar, num total de 169 países, no relatório do PNUD. E, apesar deste enorme atraso, gasta mais dinheiro em formação militar do que no ensino básico".

Estas são palavras de um senhor jornalista português, na sua habitual crónica do Expresso. Não é difícil para uma criança desmontar esta cretinice pura. O que será algum tempo para este indivíduo? De 2002, quando terminou a guerra, a 2013, passaram 11 anos. Quer uma subida vertiginosa na classificação do PNUD? Quer que as instituições apareçam feitas e programadas como do dia para a noite, e a funcionar em pleno, como num passe de mágica? O crescimento impressionante que ele admite, significa que alguma coisa se fez. Tanto se fez que há 200 mil portugueses a trabalhar em Angola; o que significa que se fizeram fábricas, se abriram bancos e universidades, se criaram empregos e oportunidades para os compatriotas deste e de outros senhores poderem sobreviver. Por outro lado, não saberá que Angola vive exclusivamente da exportação do petróleo e que não tem indústria capaz e com recursos para esse desenvolvimento que gostaríamos de ver? Que não é do dia para a noite que se criam essas condições?

Quanto a compra de armas e às relações com Israel. O Presidente admite que tem adquirido meios militares a Israel e que tem havido formação de quadros da polícia e da contrainteligência por Israel.

 Haverá alguém tão ingénuo que possa pensar, que no continente africano, e na posição geográfica e geoestratégica em que Angola se encontra, é possível sobreviver, e em paz, sem um exército poderoso? Justamente com uma guerra aberta nas suas fronteiras, na República Democrática do Congo, contra os rebeldes do movimento M23?
Haverá tanta ingenuidade ou poderei chamar a mais pura cretinice?
No seu delírio argumentativo montaram o estereótipo e agora tratam de configurar uma filosofia que o suporte. A ortodoxia e o fundamentalismo crescem desbragadamente nas mentes autistas desses funcionários. Aqueles que nunca visitaram Angola, nem tão pouco conhecem as suas gentes são os que mantêm a opinião mais exacerbada. Quem os ouve deve pensar que os governantes andam pelas ruas a assaltar o cidadão comum. Se não houver quem contrarie esse discurso assassino, forma-se e cristaliza-se na opinião pública a ideia que José Eduardo dos Santos é o novo Xá da Pérsia, ou um sádico e mefistofélico Saddam Hussein de África.
Uma jornalista conhecida cita uma frase de Paul Theroux, escritor de novelas de viagens, desencantado com toda a África, numa breve passagem por Angola:
" Um país de imensa riqueza mineral e de petróleo, que é dirigido por um governo que é simplesmente predatório, tirânico, injusto, totalmente desinteressado no seu povo ... e indiferente à sua miséria e condições de vida desumanas".
Uma opinião genérica, a partir de uma visão igualmente genérica e romanceada, sem critérios rigorosos de comparação de dados, nem números, apenas ao sabor da angústia e do desencanto.

 Porque se pegarmos noutras opiniões, de pessoas que conhecem o país, ouviremos dizer que:
Embaixador António Monteiro:
— Angola tem um regime democrático com liberdade de expressão, basta ver os jornais angolanos, que muitas vezes atacam o regime e figuras do regime, e também há blogs, há a utilização das redes sociais, livremente, ao contrário de outros países em que isso não acontece. O esforço que Angola fez a seguir à guerra é notável, e muitas vezes quem não vai a Angola não está consciente disso; é um esforço que tem beneficiado Angola inteira. Era o país mais minado do mundo. Angola hoje tem o interior reconstruido, por vezes admiravelmente. Para além de todo esse esforço que foi feito e que também é visível na Baía de Luanda, o ex-libris hoje do esforço de renovação da cidade. Há problemas, é um país que terá que aprofundar a democracia e o estado de direito; mas é de facto notável, o que foi feito em Angola. Há uma classe média que emerge e que é palpável, e não é só em Luanda, é preciso ir também ao interior. O que é notável é o esforço que tem sido feito no campo da educação, em toda a Angola, desde os níveis da escolaridade primária até às universidades. Eu fui visitar a Universidade do Luena, que é uma universidade que tem dois anos, e tem 1800 alunos, para uma cidade em que nada existia há uns anos. Estão em construção inúmeras escolas e é extraordinário ver esse esforço que eles estão a desenvolver, e de que se sabe pouco cá fora.

Posto isto, concluo dizendo que Angola precisa de estabilidade. É fundamental que os órgãos do governo se submetam permanentemente ao debate no parlamento e nas comissões de inquérito, sem coação nem constrangimentos. Que esse debate seja público e transmitido em direto pelas televisões públicas e privadas para que o povo tenha acesso às deliberações e intenções do governo e do Partido no poder. É necessário incrementar e expandir as instituições de fiscalização e acompanhamento das obras e dos investimentos do Estado.

É imprescindível que os governantes se habituem a dialogar com a imprensa diariamente, que expliquem publicamente as suas ideias e como pensam fazer para melhorar as condições de vida das populações. Que os executivos ao serviço do Estado não se escudem no segredo dos gabinetes, e falem abertamente com a imprensa, e que esta seja livre para comentar, sem que se sinta ameaçada pelas forças policiais fiéis a este ou aquele partido.

Novas e renovadas formas de governação, mais limpas e transparentes, devem surgir em Angola e que a opinião pública se multiplique em dezenas de correntes, pensamentos, formas de arte e ideologias, por mais excêntricas que possamos julgar que sejam.

Sem prejuízo do muito que deram no passado, os lideres do presente devem limpar as suas memórias e situar-se no presente e nos desafios do futuro, de forma a fortalecer esse país chamado Angola, que todos gostaríamos de ver realmente como o exemplo acabado de sucesso e de prosperidade.

JLF

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