Trópico de Capricórnio

É a linha geográfica imaginária situada abaixo do Equador. Fica localizada a 23º 26' 27'' de Latitude Sul. Atravessa três continentes, onze países e três grandes oceanos.


domingo, 31 de julho de 2011

Os equívocos de Pacheco Pereira

Pacheco Pereira, no seu blog "O Abrupto," escreveu em 23.07.2011

Custa-me ver muitas pessoas, incluindo numa afirmação recente o Presidente da República, dizer que Nelson Mandela foi “sempre” um homem de paz, "sempre" um partidário de métodos pacíficos de luta política, uma espécie de Gandhi moderno. Devemos imenso a Mandela no período a seguir à sua libertação, e aí sem dúvida ele fez muito por uma transição pacífica, onde as mortes que ocorreram (a maioria delas no conflito com o Inkhata de Buthelezi) não são de sua responsabilidade. Se há Prémio Nobel da Paz bem merecido é o seu. Porém, Mandela tem uma longa carreira política antes da sua prisão e mesmo como dirigente do ANC na prisão, teve especiais responsabilidades no Umkhonto we Sizwe, o braço armado do ANC, que conduziu uma luta violenta contra o regime do apartheid, tudo menos pacifista. “Sempre” partidário de métodos pacíficos, não é, pura e simplesmente, verdade.

Pacheco Pereira parece estar mais uma vez, a cometer um equivoco. A África do Sul e o mundo devem a Mandela não só pelo que ele fez depois da sua libertação, pois conseguiu unir as várias etnias e tendências políticas, tendo por consequência travado um processo que se poderia descontrolar e transformar o país num autêntico pântano de sangue, como antes foi a figura inspiradora de toda a luta de libertação, não só na África do Sul, como em toda a África e no Mundo.

Nelson Mandela era o presidente honorário do ANC e também o comandante em chefe do Umkhonto we Sizwe, e todas as acções armadas contra o regime racista tinham a sua aprovação, genericamente falando. A partir da prisão de Roben Island Mandela era o farol que iluminava todos aqueles que queriam partir as grilhetas que os amarravam aos regimes coloniais. P. P. deve compreender isso. Senão nunca há-de entender a luta de libertação dos povos sujeitos a dominação imperial ou colonial. Como vê, então, os movimentos de libertação das ex-colónias portuguesas? Deveriam também fazer como Gandhi ou Martin Luther King, que advogavam o pacifismo?
Será que P. P. não consegue estabelecer um paralelismo entre a luta de libertação por métodos violentos e as acções que em 1640 levaram os conjurados portugueses a sacudirem o jugo dos espanhóis, resultando daí a morte do traidor Miguel de Vasconcelos, fiel ao trono dos Habsburgo em Madrid, e todas as consequências políticas e militares resultantes daí, do envolvimento do estado português para expulsar os holandeses de Angola e as guerras do Brasil contra os estados vizinhos, mormente a guerra do Paraguai?

E a Revolução Francesa ? E a Revolução de Outubro na Rússia? E a Guerra da Independência dos EUA? E a Guerra da Secessão nos EUA? E a Segunda Grande Guerra não foi feita para destruir e aniquilar o invasor nazi? Não foram estas guerras violentas mas legítimas?

Em “Cry the Beloved Country,” obra-prima da literatura mundial dos anos quarenta que vossa mercê bem conhece, tenho a certeza, Alan Paton começa por evocar o sagrado solo sul-africano. Pois é por esse mesmo solo sagrado que Nelson Mandela deu os melhores anos da sua vida. E é por esse solo sagrado que a violência é legitimada. Não queira confundir a violência altruísta da luta por um ideal, pelo amor à pátria e contra os abusos extremos contra o homem e a sua dignidade, com a violência das ruas, daqueles que matam por um par de “blue jeans”, por um relógio ou por uma mão cheia de anéis e pulseiras de ouro. Da mesma forma que eu considero da mais elevada postura moral a defesa intrasigente da sagrada terra portuguesa.

Também me custa ver como P. P. não consegue compreender que não havia outro caminho, senão o da violência, para conseguir remover o regime de P.W. Botha (Die Groot Krokodil, o grande crocodilo, como era chamado em afrikaans). Como queria que fosse? Como ele faz, sentado à volta de uma mesa, filosofando e esgrimindo flores de retórica com luvas de pelica, com o seu maciço ventre sobrealimentado, ostentando as cores rosadas dos ambientes super protegidos da Assembleia da República ou dos lugares luxuosamente estufados do Parlamento Europeu? Ou como fez o Estado Novo que se aliou, à revelia do resto do mundo, vergonhosamente, ao regime sul-africano?

P.P. tem de compreender que o mundo não é um jardim de crisântemos, poucas vezes acontece como em Portugal, uma Revolução dos Cravos e não basta estar atrás de uma mesa, a debitar palpites e opiniões muito bonitas (que eu gosto) e muito bem fundamentadas, para mudar o mundo.
Parece-me que por vezes distrai-se e acontecem-lhe falhas de memória…mas cá estamos nós para avivar-lhe estas coisas.

José Luis Ferreira

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