Trópico de Capricórnio

É a linha geográfica imaginária situada abaixo do Equador. Fica localizada a 23º 26' 27'' de Latitude Sul. Atravessa três continentes, onze países e três grandes oceanos.


sábado, 27 de agosto de 2011

Angola está mudada





Angola está mudada! Já lá vão trinta anos desde aquela manhã de cacimbo em que entrei para o avião rumo a Portugal, fugindo de uma guerra que devastava o país. Esse era o tempo das armas e da sua linguagem de fogo, das Kalashnikovs e dos Migs soviéticos, das minas e das emboscadas, da fome e dos milhões de mortos, dos dias amargos de um conflito fratricida, que teimava em cercear horizontes e que transformara Angola numa terra bastarda, à margem da comunidade internacional. Depois desse dia, passaram-se mais 12 anos de holocausto, com o seu cortejo macabro de destruição e ódio.

Mas é do futuro que eu quero falar hoje, já que o passado apenas corrói, vive paredes meias com o pessimismo e a descrença. Hoje Angola está bastante diferente. Em paz há nove anos, é dos países no mundo com maior índice de crescimento; do que precisa agora é de esperança, de inovação, criatividade, orgulho, amor-próprio e crença nas suas próprias capacidades.

A revista “Visão” de 18 de Agosto de 2011, apresenta uma reportagem sobre Angola que me deixa estupefacto. Ao ler o artigo, confesso que julguei estar num paraíso de ricos, de multimilionários americanos, ingleses ou alemães, em Marbella, Nice, na Côte-d’Azur ou em Cannes. Será que Angola já atingiu este nível de prosperidade e riqueza? Conforme leio e a funcionária da publicação quer dar a entender, o bairro Miramar em Luanda alberga os “capos” da pior espécie e a classe dirigente em Angola resume-se a um bando de abutres, que mais não fazem que roubar e sorver os bens e a riqueza do povo. Segundo a dita senhora, o champagne Mum e Moet et Chandom corre pelos bares e boîtes de Luanda, os jactos privados voam pelos céus e os carros de luxo percorrem a cidade. Os SUVs, os BMW X6s, os Porshes Cayenne, vindos do Dubai e os Range Rovers topo de gama são tão vulgares nesta cidade como o ar que se respira, fazem-nos suspirar de inveja e, qual inovação dos angolanos, apareceram agora motoristas para motos BMW, ou Suzuky1000, como nas capitais europeias, que transportam os executivos ricaços para as suas empresas, devido ao trânsito congestionado nesta caótica Luanda! Faltou falar nos helicópteros de aluguer, que, como em S. Paulo, no Brasil, levantam de plataformas/heliportos, construídas em terraços, para o centro da enorme metrópole de 20 milhões de habitantes. Também entre os jovens “há miúdos que têm 7 mil euros para gastar numa noite, nas discotecas, em bebidas e muito champagne para todos os amigos. E não é um caso ou dois, é corrente,” afirma uma angolana que prefere não se identificar (pois é, digo eu!). “E vê-se centenas de adolescentes de 18 anos com grandes carros”, diz a autora da reportagem.
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Poucos devem ser os países no mundo com tanta abundância e tanto dinheiro para gastar. Será que estamos nalgum Emirado Árabe, numa monarquia do golfo durante o primeiro boom petrolífero, ou ela refere-se aos familiares do Emir do Qatar? Parece-me mais que a autora imagina estar em Ciudade Juarez e veja os dirigentes angolanos como chefes de um cartel da droga, que espalham o dinheiro pelos afilhados e componentes dos gangs.

As estações de Televisão portuguesas de informação, bem podiam convidar esta senhora para um debate com contraditório, frente a alguém ligado a Angola que soubesse demonstrar o que está a ser feito para tirar este pais do subdesenvolvimento. A dita funcionária, querendo candidatar-se a um “Globo de Ouro” da SIC, ao julgar que remetia Angola para o mundo dos paraísos da corrupção, da falsificação e do crime, consegue o efeito diametralmente oposto. Em mim provoca um sentimento de satisfação e de felicidade, por saber que finalmente a riqueza está em poder dos angolanos e não nas mãos dos seus (dela), antepassados colonialistas, que durante a longa ocupação portuguesa de séculos, não quiseram partilhar a riqueza desta terra com os autóctones, contando-se pelos dedos de uma mão os ricos e os abastados indígenas criados durante este período. Assim, ganha o prémio do espectáculo pobre e da caricatura do verdadeiro jornalismo de ética e de verdade.

O que me move, ao responder a esta senhora, embora há muitos anos longe da terra que me viu nascer, por opção própria, além da minha nacionalidade angolana é o conhecimento de alguns dirigentes com quem trabalhei e conheço, reputando-os de gente honesta e empenhada; por isso não posso deixar passar em branco tanta palhaçada e tanta desfaçatez. Para a dita autora, mando um conselho: não se queira promover à custa de Angola. Não espalhe uma imagem negativa e perniciosa para Angola. Quem lhe paga e tem interesses obscuros nisso, diga-lhe que dê a cara. É triste o seu espectáculo. Do ventre da mãe Angola já saiu muita riqueza que alimentou muitos compatriotas seus. Portanto quando tiver sonhos de ambição, riqueza e glória profissional coíba-se de usar a mãe Angola para alcançar esses fins.

Tenho plena consciência das dificuldades, dos desequilíbrios, da pobreza, da falta de condições dignas, do défice democrático e da cristalização do poder com o seu desfile de fenómenos nocivos como o tráfico de influências, a corrupção e a troca de favores entre os membros das cúpulas da governação, há demasiados anos no poder e que ainda subsiste em Angola; da urgência e da premência em demonstrar ao mundo que há vontade política em construir uma sociedade nova e mais igualitária. Mas sei também que as coisas levam tempo, e que nenhuma nação saída de uma guerra de 30 ou mais anos consegue numa década corrigir essas disfunções e desigualdades. Mas este não é motivo de vergonha. Ou que o seja, mas justificada. Para um país que está a ser construído de raiz, que durante décadas foi privado do seu orgulho como nação, descaracterizado, com o seu território polvilhado de minas, com milhares de homens e mulheres desmobilizados da guerra, refugiados, estropiados, sem quadros, sem infra-estruturas, sem empregos, e com toda a espécie de problemas, alguma coisa já foi feita. Vergonha sim, passa Portugal, que depois de 800 anos de plena soberania, é tratado e remetido para a classificação de lixo, pelas agências internacionais de “rating,” e deixa-se atrasar 20 ou 30 anos em relação aos seus congéneres europeus. Não podemos comparar Angola com um país europeu estável e seguro, não é sequer comparável. São duas realidades geográficas diferentes, duas geoestratégias, duas concepções do mundo e duas rotas para o desenvolvimento diversas.

Esta contadora de histórias bem podia incluir algumas verdades do que se passa em Angola, deixar as efabulações, diversificar o seu texto e introduzir nele também algumas realizações do Estado angolano. Podia referir por exemplo, que os angolanos deixaram de trabalhar apenas como serviçais e existe agora uma classe média constituída por empregados bancários, jornalistas, comerciantes, médicos, enfermeiros, empregados hospitalares, advogados, engenheiros, formados pelas universidades angolanas e no exterior, empregados de restaurantes, empresários, funcionários públicos, prestadores de serviços com algum poder de compra e que fazem fila para comprar um apartamento de 150.000 US dólares na nova cidade – Kilamba, construída às portas de Luanda; e também uma elite política e outra endinheirada que não olham a meios para ostentar o seu novo-riquismo, tal como existe em Portugal e em qualquer parte do mundo.

Esquece-se de dizer, por exemplo que em Angola estão a ser construídos parques industriais como o de Luanda e Bengo (ZEE, zona económica especial), junto ao Rio Bengo, outrora terra de miséria e exclusão, a 30 Kms de Luanda, gigantesco pólo industrial com 8.300 hectares, e o da Huíla e do Bié, igualmente projectos ambiciosos. Na ZEE de Luanda e Bengo, foram construídas de raiz dez fábricas de tintas, fibra óptica, tubos PVC, arames de vedação, plásticos, etc. Existe aqui também um gigantesco Pólo Comercial, com 290 hectares, com potencialidades para o desenvolvimento agrícola e de serviços pela proximidade com o futuro aeroporto.

No Sul de Angola está a ser criado o Pólo de Desenvolvimento Industrial de Catumbela, na província de Benguela, com uma extensão de 2.869 hectares e que já tem aprovado cerca de 100 projectos de construção de empresas, fábricas, armazéns e instalação de serviços, projectado para atrair novos investimentos nas indústrias ligeiras e pesadas, para alavancar o desenvolvimento da região. Está em estudo uma parceria com o Taguspark de Portugal para que empresas das áreas do conhecimento e universidades se possam instalar neste pólo para o desenvolvimento tecnológico necessário.

À laia de informação e para sustentar aquilo que digo, transcrevo algumas passagens de notícias que os jornais vêm publicando ao longo dos anos, sobre relatórios e estudos económicos de organizações internacionais, para que se perceba o esforço e trabalho que estão a ser desenvolvidos em Angola. Sem dúvida que nada está feito ainda e que tudo falta fazer, mas sei que alguma coisa já começou a ser construída.

-Em 12 de Jun. 2007 o jornal Diário Económico trazia uma notícia do FMI onde dizia: "O Fundo Monetário Internacional (FMI) revelou que Angola é o país que tem o maior crescimento económico do planeta, devendo expandir-se em cerca de 35% este ano. Segundo o FMI, em 2002, com o fim da guerra civil, o país arrancou para um novo ciclo marcado por um forte crescimento económico, sustentado principalmente pelo aumento das receitas associadas ao petróleo, reconstrução de infra-estruturas produtiva e realojamento de cerca de 4 milhões de deslocados internos."
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-Em 29 de Out. 2008, o portal brasileiro UOL, referia citando a Lusa: - O governo angolano prevê um crescimento económico de 11,8% no próximo ano, segundo o Plano Nacional aprovado pelo governo, em conjunto com o Orçamento de Estado para 2009.
De acordo com o Plano Nacional do governo para 2009, a ampliação do Produto Interno Bruto (PIB) será sustentada fundamentalmente pelo sector não petrolífero, que tem crescimento previsto em 15,98%. Previsões
O Banco Nacional de Angola (BNA) já tinha admitido este mês que o crescimento económico angolano, que se aproximou de 20% no ano passado, será afectado pela actual conjuntura, que está derrubando o preço do petróleo, componente maioritária das exportações angolanas.
Consciente das dificuldades, diz o governo pela voz da ministra do Planeamento: "acções que possam garantir a melhoria das condições de habitação, o acesso à água potável, prioridade especial também será dada ao combate às grandes endemias".

- Em 27 de Outubro de 2009 um documento com o título “Macro-Brief, Out. 2009” o Banco Mundial e o FMI referiam: Assim, depois de crescimentos de 20,3% em 2007 e 13,2% em 2008, o Produto Interno Bruto (PIB) de Angola deverá ter um crescimento real de apenas 0,2% este ano, com a retoma a surgir em 2010, com uma evolução de 9,3%.


- Em 13 de Abril de 2011, o jornal económico Oje citando a Lusa transcrevia relatórios do FMI segundo os quais: A economia angolana deverá retomar um crescimento de dois dígitos em 2012, atingindo os 10,5%, muito acima do crescimento económico previsto para a região, segundo as últimas previsões do Fundo Monetário Internacional (FMI). As dificuldades em Angola são ao nível do controlo da inflação este ano, com os preços no consumidor a subir 14,6% (14,5 em 2010), mas alguma correcção já em 2012, com uma taxa de 12,4%.

José Luis Ferreira

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