Querido Diário:
No princípio era o verbo e do verbo se fez expressão
Hoje é um dia diferente, o 1º dia das nossas vidas. Gosto deste dia. O
dia em que nascemos e em que de cada vez que acontece, renascem as esperanças
de que tudo se transformará com o alvorecer de uma nova manhã: “a new
beginning”. Aos cinquenta e sete anos ainda não fazemos balanços nem
inventários, queremos só que o tempo decorra lentamente, “in slow motion”. A
memória nem sempre é seletiva, é como uma enxurrada, uma avalanche, trás
consigo o bom e o mau, não escolhe os dias felizes e inesquecíveis, nem deixa
pra trás os momentos mais amargos e que queremos esquecer a todo o custo.
A criança que eu era ontem, é justamente a que sou hoje. Atrás de um
sonho, olhando para a noite cintilante, para Cassiopéia, Orion ou para a Via
Láctea. Para lá das montanhas, não à procura de milagres nem de profecias, mas
sim de Justiça, Paz e Harmonia. A mais forte impressão que tenho de um
aniversário, sucede aos dez anos, quando pedia à minha mãe uma calça de linho
azul, com dois bolsos assim e assado e uma camisa de pregas, de manga comprida
e o meu júbilo, quando os meus pais me conseguiam satisfazer os desejos.
Pergunto-me hoje o que é um amigo, quanto valem aqueles ou aquelas que
nos acompanham ao longo da vida, que estão ao nosso lado para o bem e para o
mal. Pela sua raridade têm um valor incomensurável, não têm preço.
Amigo não é a mera casualidade de um cumprimento, de um bom dia, nem a
banalidade de um encontro, ou a circunstância de um “parabéns”, mais ou menos
afetuoso, no dia do teu aniversário.
Amigo é aquele que partilha e que arrisca, que nos impressiona pela sua
constância, mesmo quando as vozes teimam em nos excluir. Eles, esses amigos,
são raros, são como pedras preciosas e surgem donde menos esperamos. Trazem
consigo gestos bondosos, que nos tocam profundamente. Rendemo-nos a eles e a
partir daí sabemos que ali está um amigo verdadeiro.
Dos outros, daqueles que esperamos alguma coisa, verificamos que se escondem
no anonimato e se esquecem, ansiosos por passarem despercebidos, dando o mínimo
esfarrapado e trocando a ordem das coisas e dos valores. Na ansia de querer
parecer o que não são, são aquilo que não parecem e parecem aquilo que não querem parecer que são.
Amigo é a proteção constante, o escudo necessário, de que precisamos
quando soam as trombetas da guerra.
Amigo sacrifica o seu sono, para velar o teu descanso, é a mão que
cuida de te ajeitar o caminho para a glória do êxito.
Amigo é aquele que se apaga para que só o teu brilho ofusque a cidade.
Amigo escreve no cantinho da agenda e conta os dias e as horas que
faltam para te encher a alma de calor, te enrubescer de felicidade e te rasgar
a boca com sorrisos de gratidão. É o prazer puro e simples de dar, de se rever
na tua alegria, é o ato fraterno e carinhoso de um beijo ou de um abraço
caloroso nesse dia, e nunca a obrigação burocrática de um dever oficioso. Entre
amigos não há orgulho, nem superioridade, não há plano inferior nem superior, porque
o verdadeiro amor é isento, é o elo da cadeia que os liga inexoravelmente. O
amor real, de que o Homem precisa, não está atrás de uma sacristia, nem nos
alfarrábios eloquentes de metafísicas obscuras. Não basta apregoar o amor, a
seguir deixarmo-nos dominar pela presunção e vivermos de mãos cerradas.
Amigo não espera o dia para te
ferir, mas antes se declara antecipadamente que está pronto para te acompanhar
no jogo da vida. Do amigo esperas bastante, nunca menos, e essa expetativa é
legítima porque é proporcional áquilo que és capaz e que tens para dar. Só
assim os amigos se complementam e se completam, fechando o círculo do sagrado e
encerrando o cofre dos tesouros incalculáveis.
Amigo não tem intermitências, é o pronto-socorro com sirene ligada.
Amigo é a urgência do ontem, a inevitabilidade do agora.
Amigo é a sede da água e a fome do pão.
Se encontrei a felicidade? Estou prestes a chegar ao lugar da pedra
filosofal, da verdadeira alquimia. Aprendo todos os dias um pouco mais. Chegará
o momento em que dominarei a arte de saber viver com o que a vida me põe á
frente; caminhar por este mundo de sombras e luzes, sem sonhos de grandeza, nem
atrás do supérfluo e do efémero. O meu “Santo Graal”, o cálice sagrado, contém uma
biblioteca imaginária, uma arca cheia de livros e conhecimentos, onde cabes tu
e todos aqueles que ao longo dos tempos vêm partilhando comigo alegrias e
tristezas e que nunca abandonaram essa demanda a meio da jornada.
Para mim, será essa a suprema sabedoria e a felicidade total.
21Fev2012
J.L.F.
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